Ano C – XXXIII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Mal 3, 19-20a;
Salmo: Sl 97, 5-6. 7-8. 9;
2ª Leitura: 2 Tes 3, 7-12;
Evangelho: Lc 21, 5-19.

“O Senhor virá governar com justiça.”

O evangelho deste XXXIII Domingo do Tempo Comum começa com uma anotação curiosa: “comentavam alguns que o templo estava ornado com belas pedras e piedosas ofertas”. Ainda hoje, muitos de nós admiramos os monumentos e as obras de arte de carácter religioso que ao longo dos tempos se foram fazendo. No entanto, na contemplação que fazemos esquecemo-nos da sua dimensão simbólica, ou seja, esquecemo-nos d’Aquele a quem elas nos remetem, esquecemo-nos d’Aquele por quem elas foram construídas. Muitas vezes é esta a atitude que temos na nossa vida. Ficamos fascinados e admirados pelas coisas materiais e esquecemo-nos do verdadeiro sentido da vida. 

É a partir desta consideração inicial que Jesus propõe-se a fazer uma catequese sobre o sentido da vida e da história. É com esta finalidade que Jesus, que se encontra em Jerusalém e a poucos dias da sua Paixão, profere o seu Discurso Escatológico, que abarca a quase totalidade do capítulo 21 de Lucas.  

Jesus começa por afirmar que aquele templo, que tanto admiravam, um dia será destruído e não ficará pedra sobre pedra. Ante tal afirmação os seus destinatários perguntam a data de tais acontecimentos e os indícios da sua proximidade. 

No entanto, Jesus não fornece nenhuma data e adverte que é preciso ter muito cuidado com pseudo-sinais do final do mundo. Jesus está mais interessado em fazer uma catequese sobre o verdadeiro sentido e sobre a sua plena realização da história humana em Deus. 

Assim sendo, Jesus indica três momentos na história da salvação: o tempo da destruição do Templo, o tempo da igreja e a parusia, última vinda de Cristo. 

A destruição do templo de Jerusalém, profetizada por Jesus neste texto, já tinha acontecido quando S. Lucas escreve o seu evangelho. Na verdade, a destruição do Templo de Jerusalém aconteceu no ano 70 da era cristã por obra do imperador romano Tito. A destruição do templo de Jerusalém possui um forte significado teológico. Na verdade, a revelação veterotestamentária apresentava Jerusalém como o lugar emblemático da salvação de Deus para o seu povo. Para a Cidade Santa deviam confluir todos os povos para alcançarem a salvação. No entanto, ao rejeitar a Palavra e a Pessoa de Jesus, Jerusalém deixa de ser o lugar exclusivo da salvação e abre-se a possibilidade da salvação para todos os povos.  

Os discípulos de Jesus, que vão peregrinando na história humana em direcção a Deus, são as testemunhas que a salvação é para todos. É o tempo da Igreja que espera a última vinda gloriosa de Cristo e a criação dos novos céus e da nova terra. No entanto, como viver neste tempo intermédio? O evangelho deste domingo oferece-nos três indicações importantes. 

Em primeiro lugar, Jesus diz para não darmos credibilidade a falsos messias e profetas que costumam surgir em tempos de catástrofes e de crise. Muito provavelmente, S. Lucas queria advertir os destinatários do seu evangelho a não darem ouvidos aos falsos profetas que depois da destruição do templo afirmavam que a segunda vinda de Cristo estava imanente. 

Assim sendo, e como consequência desta primeira indicação de Jesus, os cristãos não devem viver obcecados pelo quando da última vida de Cristo mas empenhados na construção do reino de Deus. Os novos céus e a nova terra surgirão na sua plenitude na Parusia mas devem ser antecipados, sempre de maneira imperfeita, na nossa história. Esta é a segunda recomendação que Jesus dá. Através de imagens apocalípticas, muito usadas pelos pregadores da época, Jesus vai indicando a desaparição do mundo velho e a aparição do mundo novo. Os cristãos animados pela segunda vinda de Cristo devem ir antecipando nesta terra aquilo que esperam, o reino de Deus. Quem espera age em função do esperado. É a tensão escatológica do reino, é o já mas o ainda não.

É de grande utilidade recordarmo-nos, neste momento, o que S. Paulo dizia, na segunda leitura desta celebração, aos cristãos de Tessalónica: “quem não quer trabalhar, também não deve comer”. Na verdade, a comunidade de Tessalónica, apesar de ser uma comunidade fervorosa, era uma comunidade que vacilava em algumas questões de fé, como era o caso da segunda vinda de Cristo, devido à suspensão forçada da evangelização levada a cabo por S. Paulo nesta cidade. Para tentar resolver estes desvios, S. Paulo escreve-lhes e adverte-os que não se deve aguardar a vinda de Cristo na ociosidade mas activamente. 

A terceira exortação dada por Jesus relaciona-se com a assistência de Deus neste processo. Jesus adverte os seus discípulos das dificuldades que encontrarão por serem fermento do Reino de Deus nesta terra. Jesus não ilude os seus discípulos. Quem segue Jesus não pode seguir outro caminho senão o caminho da cruz. Assim sendo, perseguições, ódios e sofrimentos, mesmo da parte da família e dos amigos, não faltarão àqueles que vão antecipando, no aqui e no agora da história, o reino de Deus. No entanto, estas situações são uma oportunidade para dar testemunho. Na verdade, Deus acompanha e está ao lado daqueles que se esforçam por antecipar neste mundo o reino de Deus: “nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá”.

No entanto, numa sociedade que propõe que se viva cada momento como se fosse o último, que parece só dar lugar ao presente, terá algum sentido falar da Parusia? Não só tem sentido como é uma tarefa urgente. Há uma falta de tensão escatológica na vida dos fiéis e isso traz consequências para a nossa existência concreta. A primeira leitura deste domingo ajuda-nos a esclarecer isto. 

Malaquias, o mensageiro de Deus, é um profeta pós-exílico do séc V a.c., que é enviado a um povo apático, com um deficit de confiança em Deus e que duvida do interesse e do amor de Deus pelo Homem e pelo povo pois não viam cumpridas as promessas de Deus. Esta situação trazia várias consequências para a vida cultual e ética. Ante esta situação, o profeta apela à fidelidade a Deus que conduz à vida. Além disto, o profeta anuncia a intervenção de Deus na história através da imagem profética do dia do Senhor. Tal anúncio é destinado a reanimar a esperança do povo. Deus é fiel e intervirá: pelo fogo destruíra os soberbos e malfeitores e trará a salvação, pelo sol que nasce do alto, àqueles que temem o seu nome. O próprio evangelista Lucas, pela boca de Zacarias, refere-se a Jesus o sol que nos visita das alturas para nos salvar (Lc 1, 78).

Assim sendo, a liturgia deste domingo apresenta-se como uma mensagem de esperança que se traduz numa espera vigilante e activa e não de medo e de expectativa apocalíptica pessimista, como costuma ser afirmado por várias seitas que interpretam literalmente a linguagem simbólica e metafórica própria deste género de textos. O “dia do Senhor” não corresponde ao fim do mundo e a imagem do fogo e da palha, presentes na primeira leitura, são imagens típicas da literatura apocalíptica e não podem ser interpretadas literalmente.

“O Senhor virá governar com justiça.” Acreditar que a nossa história terá a sua plena realização em Deus não nos pode deixar indiferentes. A actuação de Deus na história, o seu julgamento, é sempre salvífica. Devemos actuar em função daquilo que esperamos e ir antecipando, no aqui e agora da história, o Reino de Deus.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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