Ano A – VII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Lev 19, 1-2. 17-18;
Salmo: Sl 102, 1-2. 3-4. 8 e 10. 12-13;
2ª Leitura: 1 Cor 3, 16-23;
Evangelho: Mt 5, 38-48.

Ser santos é participar na perfeição de Deus no Amor.

A liturgia da Palavra deste Domingo abre com a afirmação da santidade de Deus. “‘Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, Sou Santo”.

Tal afirmação não deixa de ser inquietante e de nos levantar várias perguntas: O que significa dizer que Deus é santo? O que é ser santo? Porque razão temos de ser santos? Como podemos ser santos? As três leituras propostas para este domingo são uma boa resposta a estas perguntas.

A Santidade é um dos principais atributos de Deus. Na verdade, Is 6, 3 e, na sua continuidade, a aclamação litúrgica do “Santo” proclama Deus como o três vezes santo. A etimologia hebraica do termo santo está relacionada com o termo separação. Dizer que Deus é três vezes santo é dizer que Deus é separado. Mas separado de que e de quem? Não separado do mundo e do homem pecador. Mas separado de Si mesmo e dos privilégios da sua divindade ao ponto de por nós se fazer homem para que nós possamos participar da sua condição divina. “Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza.” (2 Cor 8, 9) O Deus três vezes santo é o totalmente “separado” do pecado que para “separar” o homem pecador do pecado se “separa”, por amor, de si mesmo.

Se Deus é santo porque é totalmente separado do pecado a tal ponto que se separa de si mesmo para separar o homem pecador do pecado devemos perguntar-nos o que é para nós a santidade?

Quando falamos em santidade vem-nos logo a mente os milagres sobrenaturais que as ciências humanas não conseguem explicar, isto é, paralíticos que começam a andar, doentes em fases terminais que são curados, …. Todavia a santidade não é só isto. A santidade é extremamente pouco se se reduz a isto.

Por outro lado, a santidade e o convite a levar uma vida santa cria em nós uma certa repulsa. Na verdade, inconscientemente nós associamos os santos àqueles que fizeram muitos sacrifícios, muitas renúncias. Para nós ser santos é fugir do mundo com todas as suas alegrias e tristezas. No entanto, nada está mais longe da santidade do que o alheamento do que é verdadeiramente humano.

Talvez a etimologia do termo beato e santo nos ajude a perceber melhor o que é ser santo. A etimologia latina das palavras santo e beato referem-se respectivamente a um estado de vida sadio e feliz. E os santos não são mais que isso: são pessoas que na sua peregrinação sobre a terra viveram uma vida sadia e feliz segundo os critérios do reino e são exemplos de vida para nós. Os santos foram aqueles que descobriram e viveram a verdadeira qualidade de Vida, aquela vida em abundância de que Jesus nos falou e que por isso são exemplos e intercessores para nós que ainda peregrinamos na terra. Os santos viveram o grande milagre do Amor. De certa maneira podemos dizer que ser santo não é nada mais do que fazer tudo por Amor a Deus e aos irmãos. O Amor é o grande milagre dos Santos. É o Amor incondicional a Deus e aos irmãos, que os santos viveram, que nós devemos imitar e venerar. Ser Santos é participar na perfeição de Deus no Amor.

Como viver esta perfeição do amor? Como cumprir o grande apelo do livro do Levítico “Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 2) que é citado por 1 Pe 1, 16 e adaptado por Mateus, “sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”?

O evangelho deste domingo responde-nos a esta pergunta. A pericope evangélica de hoje está na continuidade do evangelho do último domingo. Podemos dizer que só com o evangelho de hoje fica completo o texto de Mateus sobre a relação dos cristãos com a lei (Mt 5, 17-48).

Neste texto, Jesus mostra que não vem abolir a lei mas leva-la à perfeição, Jesus mostra que a moral crista não é uma moral casuística mas uma moral de atitudes, melhor dizendo, uma moral que nasce da adesão total do homem a Deus. Assim sendo, a lei não é um conjunto de prescrições legais externas, que obrigam o homem de uma forma rígida mas uma expressão concreta da adesão total a Deus que implica o homem e exige-lhe uma forma concreta de estar no mundo e de se relacionar com os outros mas que não se reduz a esta ou aquela acção concreta.

É por isto que Jesus por seis vezes (quatro no último domingo e duas neste domingo) partindo de leis do Antigo Testamento, apresenta uma série de antíteses: “Foi dito aos antigos… Eu porém vos digo…”. Jesus apresenta-se aqui com uma autoridade soberana que está acima da legislação antiga. Ele é maior do que Moisés. Jesus vem dar uma interpretação autêntica da lei.

A primeira antítese deste domingo (quinta do texto de Mateus) relaciona-se com a chamada lei de Talião: “Olho por olho e dente por dente” (Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). A lei de Talião não é algo que exija a vingança como tantas vezes nós o dizemos. Quando alguém nos faz alguma coisa normalmente respondemos “olho por olho, dente por dente” para dizer que nos vamos vingar, que essa pessoa não se vai ficar a rir de nós. No entanto, a lei de Talião quer ser um travão para o desejo de vingança. Segundo a lei de Talião a vingança nunca pode ser superior aquilo que nos fizeram. A verdadeira intenção da lei de Talião era colocar um travão na espiral de violência.

No entanto, para Jesus não basta a lei de Talião para acabar com o mal. Não basta a moderação da vingança para acabar o círculo da violência. O que acaba verdadeiramente com o círculo da violência é vencer o mal com o bem. Foi este o exemplo que o próprio Jesus nos deu na cruz. Ele à violência dos que lhe tiravam a vida não respondeu com violência mas com amor. E porque respondeu com amor é que foi capaz de romper o círculo de violência e dar lugar ao perdão e à vida.

A palavra e o próprio exemplo de Jesus devem interpelar-nos. Na verdade, consciente ou inconscientemente nós somos muito vingativos. Não podemos deixar-nos embarcar na onda da violência. Os discípulos de Jesus são aqueles que são capazes de vencer a violência com o perdão total, de vencer o mal com o bem. Prova disto são os três casos propostos por Jesus no evangelho. Os discípulos de Jesus devem ter por todos um amor sem medida que vá mais além do que aquilo que é exigido.

A segunda antítese deste domingo (sexta do texto de Mateus) prende-se com o preceito de amar o próximo e de odiar o inimigo. No entanto, no Antigo testamento não encontramos nenhum texto explícito sobre o ódio aos inimigos. Contudo, o facto era que na época de Jesus o amor ao próximo era algo muito restrito. Na interpretação mais benevolente o próximo era todo aquele que pertencia ao povo de Deus.

Ante esta situação, Jesus afirma que o amor ao próximo não se reduz a um grupo concreto de pessoas. O amor ao próximo não se reduz a amar aqueles que estão mais próximos de mim por vínculos afectivos e emocionais mas implica amar a todos amigos e inimigos. O nosso amor deve vencer todas as barreiras. O nosso coração deve ser do tamanho do coração de Deus. Na verdade, é o próprio Jesus que faz culminar a extensão e o motivo do amor ao próximo em Deus. “Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos”.

É assim que Jesus nos ensina o que é ser santos à imagem da santidade de Deus: “sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito”. Ser Santos é participar na perfeição de Deus no Amor.

Só vivendo nesta perfeição do amor é que nós seremos verdadeiramente o “templo de Deus” neste mundo, como nos dizia são Paulo na segunda leitura. O templo no Antigo Testamento era a presença de Deus no meio do seu povo. Era no templo de Jerusalém que o povo encontrava Deus e entrava em comunhão com o Deus Santo. Assim sendo, para Paulo é a comunidade cristã o lugar onde habita o Deus Santo, onde Ele se manifesta e se oferece aos homens. Assim sendo, a comunidade cristã deve ser uma comunidade santa à imagem de Deus.

Ser santos é participar na perfeição de Deus no Amor. A santidade deve ser o objectivo de todo o cristão sem excepção. Pelo nosso baptismo somos chamados a ser santos em qualquer estado de vida (LG 40). O apelo divino à santidade não é mais um de tantos apelos que se escutam no nosso mundo. É o apelo por excelência, é o objectivo da nossa vida. No entanto, somos conscientes que este apelo não é um apelo que se ouça e que depois se cumpre. A santidade não é uma conquista humana mas é dom de Deus que o homem está chamado a acolher e a cooperar.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

Facebook
Twitter
WhatsApp
Print
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *