Ano A – VIII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Is 49, 14-15;
Salmo: Sl 61, 2-3. 6-7. 8-9ab;
2ª Leitura: 1 Cor 4, 1–5;
Evangelho: Mt 6, 24-34.

A vida é um grande dom e um grande desafio que todos nós recebemos. Todos queremos aproveitar a vida e vivê-la a 100%. A liturgia da Palavra deste domingo é uma séria provocação à forma como vivemos: “Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário?” A pergunta que Jesus nos dirige leva-nos a reflectir sobre quais são as prioridades na nossa vida.

Todos nós desejamos ser pessoas realizadas e felizes, homens e mulheres com uma autêntica qualidade de vida. Este desejo está em perfeita harmonia com o facto de termos sido criados por Deus. Na verdade, fomos criados para sermos felizes e pessoas realizadas. É este o grande dom e a grande tarefa que Deus nos confia.

No nosso peregrinar quotidiano, todos nos esforçamos para sermos felizes. O grande motivo que leva as pessoas a fazerem as coisas que fazem é o seu desejo de serem mais felizes e mais realizadas. Mas o que é ser feliz? A que corresponde a verdadeira auto-realização e a verdadeira qualidade de vida?

São vários os modelos de felicidade que se nos vendem nestes dias. Modelos mais quantitativos que qualitativos. A felicidade é apresentada como uma coisa que se pode contar e não como algo que se pode viver e desfrutar.

Desde pequenos, quer seja na família, quer seja na escola, quer seja nos meios de comunicação social passam-nos a ideia de que se queremos ser felizes temos de ter uma recheada conta bancária, um bom carro e um emprego em que se faça pouco e se ganhe imenso.

São estes os exemplos que nos são propostos e nós, consciente ou inconscientemente, vamo-nos apropriando deles e tornando-os as metas pelas quais lutamos diariamente.

No entanto, cada vez que conseguimos aproximar-nos destas metas a que nos propomos não nos sentimos felizes. Sentimos a nossa conta bancária a aumentar mas aquela felicidade e realização plena pela qual tanto lutamos parece não chegar. Automaticamente nos desculpamos: “Eu ainda não me sinto feliz e realizado porque ainda não atingi o valor máximo da minha conta bancária. Tenho que ganhar mais!” E assim entramos num ciclo vicioso que nos fecha sobre nós mesmos e que em vez de nos conduzir à felicidade conduz-nos à alienação do ter, do poder e do prazer.

No entanto, nós não somos incultos. Quantas vezes é que em algum momento de lucidez já não passou pela nossa mente ou chegou mesmo a sair, como um desabafo, dos nossos lábios aquela mesma pergunta que Jesus fazia: “Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário?”

Ante esta situação até certas correntes de pensamento laicas afirmam o sem-sentido e a futilidade de uma vida que só busca o material, a inutilidade da busca da felicidade, o fracasso de uma vida que é condenada à morte.

Todos nós reconhecemos a verdade e a dor destas palavras. Mas fazemo-nos surdos e pensamos que se adquirirmos mais coisas é que seremos realmente felizes.

O evangelho deste domingo é uma catequese de Jesus sobre o que deve ser prioritário na vida dos discípulos de Jesus. O texto evangélico está situado no discurso da montanha que é a apresentação da nova lei ao novo povo de Deus. Assim como Deus, por meio de Moisés, deu ao Seu povo a lei no monte Sinai, assim Jesus ensina a nova lei que deve guiar o novo Povo de Deus na sua peregrinação pelo mundo.

Este Sermão da montanha começou com o discurso das bem-aventuranças. A primeira bem-aventurança proclamava a felicidade dos pobres em espírito, daqueles que confiam no Senhor. O texto evangélico deste domingo pode ser considerado uma explicação desta bem-aventurança. Na verdade, Jesus em Mt 6, 19-34 faz quatro recomendações aos seus discípulos sobre a relação que devem ter com os bem materiais. O evangelho deste domingo limita-se a apresentar a última recomendação de Jesus.

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. É esta a recomendação que Jesus faz as multidões que o escutam. Na verdade, Mamon, o deus do dinheiro, da cobiça, é um rival inconciliável do Deus verdadeiro que é generoso e ensina a dar. Quem serve ao deus dinheiro torna-se um desejoso insaciável de bens materiais. Quem segue o deus dinheiro não possui os bens materiais mas é possuído pelos bens, ou seja, torna-se um escravo dos bens materiais. Quando fazemos do ter e do possuir o objectivo principal da nossa vida entramos numa escravidão que nos rouba e muitas vezes rouba aos nossos irmãos a dignidade.

Caros irmãos, a liturgia deste Domingo não condena a riqueza mas a deificação que fazemos da riqueza. Os bens existem para nos servir e não para nos escravizar. Quantas vezes sacrificamos o tempo que era devido à família ou aos irmãos para ganhar mais uns cêntimos? Quantos de nós não olhamos para os outros só em função daquilo que eles podem produzir ou nos dar e não como irmãos que devemos respeitar e amar? Quantos de nós não entramos no círculo vicioso do ter que pôs em perigo e que até pode ter danificado a nossa saúde e a nossa família?

É assim que acontece quando fazemos do dinheiro o deus da nossa vida: tornamo-nos egoístas, fechamo-nos em nós mesmos, desumanizamo-nos, tornamo-nos insensíveis aos valores do Reino. Quando o coração está cheio da avareza, do egoísmo e da obsessão do ter o Homem torna-se indiferente a Deus e é capaz de escravizar o seu irmão e de cometer as maiores injustiças.

É neste contexto que Jesus diz que a prioridade fundamental dos seus discípulos não deve ser o ter, o dinheiro mas deve ser o Reino de Deus. “Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo.”

Jesus não diz que não nos devemos preocupar com a nossa subsistência diária. Devemo-nos preocupar e trabalhar por uma vida digna mas a preocupação fundamental na nossa vida não deve ser o dinheiro, o desejo de ter mas deve ser o Reino de Deus com os seus valores: “Um reino eterno e universal: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz” (Prefácio da Solenidade de Cristo Rei).

Devemos procurar o reino de Deus, o reino deste Deus que a primeira leitura deste domingo retirada do livro de Isaías apresenta como um Deus que nos ama com um amor maternal.

Pode ser que também nós como o povo exilado na babilónia desconfiemos muitas vezes que Deus nos abandonou. No entanto, ante estas dúvidas devemos ter a certeza daquilo que nos diz a breve mas intensa primeira leitura deste domingo: “Poderá a mulher esquecer a criança que amamenta e não ter compaixão do filho das suas entranhas? Mas ainda que ela se esqueça, Eu não te esquecerei!”

E esta certeza o próprio Jesus a teve e a demonstrou no evangelho deste domingo: “Olhai para as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; o vosso Pai celeste as sustenta. Não valeis vós muito mais do que elas? … Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam; mas Eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, não fará muito mais por vós, homens de pouca fé?”

O fundamental na vida de uma pessoa não é as coisas que tem mas o amor. O amor de Deus por cada um de nós é a maior fonte de felicidade. O amor de Deus é um amor que liberta, sustenta e realiza. É esse amor que devemos procurar em primeiro lugar. É esse amor que devemos acolher na nossa vida. É esse amor que devemos transmitir aos homens e mulheres do mundo de hoje. Procurar o reino de Deus, é procurar o Deus que nos ama e que nos torna capazes de amar.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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