Ano A – II Domingo de Páscoa

1ª Leitura: Act 2, 42-47;
Salmo: Sl 117, 2-4. 13-15. 22-24;
2ª Leitura: 1 Pe 1, 3-9;
Evangelho: Jo 20, 19-31.

 

Em tempo de temores e de incertezas é da Alegria do Ressuscitado que falamos, vivemos e testemunhamos!

Vivendo a oitava da Páscoa, como se do mesmo dia de Páscoa se tratasse, porque há acontecimentos cuja celebração não se pode reduzir a um só dia mas a toda uma vida, reunimo-nos para celebrarmos o Domingo, o primeiro dia da semana em que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou dos mortos.

No entanto, neste domingo luminoso da Páscoa as trevas que envolveram a sexta-feira santa ainda parecem envolver o nosso coração. Era assim, atemorizados e paralisados, que estavam os discípulos reunidos no cenáculo naquela tarde de Páscoa. Nessa manhã, Maria Madalena já os tinha desassossegado com o estranho anúncio da ressurreição. No entanto, tal anúncio não foi suficiente para vencer medos e eliminar barreiras. Os discípulos estavam em casa e com as portas fechadas. O medo, inimigo sempre novo e sempre antigo, os paralisava fisicamente mas acima tirava-lhes a esperança. Aí estão os discípulos pensando que a morte é mais forte que a vida, que o ódio é mais forte que o amor, que a violência é mais forte que a ternura.

E é nesta situação de desespero, de paralisia, de medo que se apresenta Jesus ressuscitado no seu meio. O ressuscitado consegue ser mais forte que o medo, porque estando os discípulos com as portas trancadas com medo dos judeus, mesmo assim consegue entrar e colocar-se no meio deles. Não é num sítio qualquer que se coloca, é exactamente no meio deles, no centro. Jesus ressuscitado está no centro, é Ele que deve ser o centro da nossa vida e da nossa existência. É Ele o centro de toda a comunidade cristã, centro do qual tudo parte e centro ao qual tudo converge.

A mensagem e os sinais com que se apresenta não são palavras e gestos ao acaso. A sua saudação é uma saudação de Paz, aquela paz messiânica prometida, aquela paz que não é conquista dos homens mas dom de Deus. Aquela paz que não é só ausência de guerra mas harmonia, tranquilidade, serenidade e vida plena.

Dada e repetida a saudação de paz mostrou-lhes as suas chagas. O ressuscitado é o crucificado. As suas chagas, dolorosas mas também gloriosas, são os sinais do seu amor e da sua doação total. A permanência de tais chagas é a manifestação que o seu amor é eterno e permanece para sempre.

Em seguida, o ressuscitado torna os seus discípulos participantes da sua missão. Assim como o Pai o enviou para anunciar a boa nova e instaurar o reino de Deus, assim os discípulos deverão ir pelo mundo anunciando a ressurreição do Senhor e antecipando no aqui e no agora da história o reino de Deus.

Para desempenharem esta missão, o Ressuscitado sopra sobre os seus discípulos. O verbo utilizado é o mesmo que em Gn 2, 7. Trata-se de uma nova criação. Deus insufla aos homens o seu alento divino. Deus dá aos homens o dom do Seu Espírito. O gesto de soprar recorda a criação do homem (Gn 2, 7) e a ressurreição dos mortos (Ez 37). É como a criação do homem novo, dotado do alento do Espírito, em virtude da ressurreição de Jesus. Nesta nova criação o perdão e a reconciliação devem ocupar o lugar central.

E tudo isto acontece no dia primeiro, aquele dia um que é o começo de algo novo, aquele dia primeiro que se prolonga por toda a eternidade e que nós somos convidados a entrar nele hoje mesmo e não amanhã. Quem se encontra com o Senhor ressuscitado começa uma nova existência. O encontro com o ressuscitado não nos deixa indiferentes. Na verdade, o ressuscitado é a prova que a vida é mais forte que a morte, que o amor vence o ódio, que a ternura triunfa sobre a violência e que a esperança dissipa toda a não esperança. E tudo isto encheu os discípulos e nos enche a todos nós de alegria.

É esta alegria que nasce da Páscoa do Senhor que se tem de manifestar na vida das comunidades cristãs. Na verdade, a igreja é esposa do Senhor ressuscitado e não sua viúva. O sumário do livro dos Actos dos Apóstolos, retrato ideal da comunidade cristã de todos os tempos e de todos os lugares, mostra como a nossa comunidade cristã deve ser uma comunidade de irmãos, uma comunidade assídua à catequese dos Apóstolos, uma comunidade que celebra liturgicamente a sua fé, uma comunidade de partilha. Tudo isto enche a comunidade de alegria. Não uma alegria espampanante que se limita a camuflar mágoas e feridas profundas. Mas aquela alegria que é acompanhada da simplicidade de coração. Aquela alegria que nos dá a paz. Aquela alegria que é o fruto do Espírito do Ressuscitado. E é na vivência desta alegria que se capta a simpatia de todo o povo e que vai crescendo a comunidade cristã.

No entanto, não é fácil num mundo com tantos sinais de morte abrir-se a alegria da Páscoa. É uma tarefa difícil mas indispensável. Prova disto é a leitura da epístola de São Pedro. Os cristãos da Ásia menor, destinatários da segunda leitura deste domingo, eram cristãos provados pelo sofrimento. Na verdade, eram gente do meio rural, economicamente frágeis e vulneráveis a um ambiente hostil ao cristianismo. No entanto, o autor convida os cristãos a lembrarem-se da ressurreição de Jesus. É a ressurreição de Jesus que nos faz renascer para uma esperança viva e nos devolve a alegria. No meio de tantas dificuldades, de tantas crises, sejam elas económicas ou de valores, o alegre anúncio da ressurreição devolve-nos a esperança e diz-nos que outro mundo é possível, que lutar pela justiça, pela verdade, pela vida, pelo amor vale a pena.

A Páscoa é o tempo da alegria. A alegria, palavra que marca presença em todas as leituras deste domingo, é o grande dom da Páscoa.

Mas de que alegria falamos? A alegria é um dom que nasce da Páscoa de Jesus. Todos buscamos experiências que trazem consigo a alegria e o bem-estar. No entanto, muitas dessas experiências, apesar de poderem trazer consigo uma alegria fugaz, ilusória e com ressaca, não nos conduzem àquela verdadeira alegria que é o resultado da acção da salvação de Deus na nossa história concreta muitas vezes marcada pela tristeza, pelo sofrimento, pelo medo.

Além disto, muitas vezes ao ouvirmos este convite à alegria rimo-nos porque achamos que isto é algo utópico e impossível de concretizar. Pensamos que tal convite é só uma alienação para tantas situações de morte a que assistimos: violências, mentiras, fome. No entanto, o convite à alegria traz consigo a promessa e a presença ressuscitada e ressuscitadora de Deus. Diante da palavra inaudita da Ressurreição de Jesus ganham novo sentido as derrotas e as lágrimas de todos aqueles que são espezinhados pelo poder da morte. Deus intervém e inverte todas as situações de morte provocadas pela malvadez humana. A vida de Jesus e a vida de todos nós é importante de mais para Deus para serem abandonadas ao poder da morte, da injustiça, da calúnia, do ódio e da mentira. A nossa alegria é a Páscoa do Senhor que se torna Páscoa na nossa vida para a Páscoa do Mundo.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

Facebook
Twitter
WhatsApp
Print
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *