Ano B – I Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Gen 9, 8-15;
Salmo: Sl 24, 4bc-5ab. 6-7bc. 8-9;
2ª Leitura: 1 Pedro 3, 18-22;
Evangelho: Mc 1, 12-15.


Iniciamos, na passada quarta-feira, a Quaresma, um novo tempo litúrgico que nos conduzirá à Páscoa. Como todas as grandes festas precisam de preparação, a Igreja dedicou um tempo para a preparação da festa dá Páscoa que se fixou em 40 dias. A Quaresma é um tempo oportuno para avaliarmos a nossa vida e nos aproximarmos do sacramento da reconciliação, preparando-nos assim para a celebração da Páscoa do Senhor.

Neste caminho de preparação, para que a Páscoa de Jesus aconteça realmente na nossa vida, a Igreja convida-nos a três atitudes concretas, atitudes essas que foram recomendadas pelo próprio Jesus (cf. Mt 6, 1-18): o jejum, a esmola e a oração. No entanto, estas práticas não devem ser meros gestos externos mas devem ser a expressão do crescimento da vida cristã. O jejum tem de ser sinal do exercício das virtudes da ascese cristã, ou seja, daquele esforço que fazemos contra as más inclinações e as tentações que tantas vezes temos. A esmola tem de ser o sinal da verdadeira caridade fraterna e não se limita a dar dinheiro. Muitas vezes nas nossas casas faz mais falta dar tempo e atenção que propriamente coisas. A oração deve ser o sinal daquela intimidade que devemos ter com Deus. No tempo da Quaresma devemo-nos esforçar por dedicarmos mais tempo à oração, à leitura da bíblia, à participação na eucaristia semanal e na via sacra… Só com Deus é que nos podemos converter.

O grande apelo que ecoa no tempo da quaresma é aquele que escutamos no evangelho deste domingo: “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no evangelho”.

O evangelho deste domingo é composto por duas partes. Os primeiros dois versículos (12-13), pertencem à secção inicial do evangelho de Marcos que pretende apresentar Jesus. Depois de ter apresentado Jesus como aquele que vem baptizar no Espirito e como aquele que é o Filho amado do Pai, Marcos apresenta-nos, no texto de hoje, Jesus como aquele que enfrenta e vence o mal fazendo assim surgir um mundo novo. Os dois versículos iniciais do evangelho deste domingo são a narração do episódio da tentação de Jesus no deserto. A narração da tentação de Jesus na versão de Marcos ignora ou omite o pormenor das três tentações de Jesus que os evangelistas Marcos e Lucas narram no seu evangelho. No entanto, estes dois versículos de Marcos estão carregados de uma forte mensagem teológica transmitida através de vários símbolos. A cena passa-se no deserto. O deserto é um lugar importante para a teologia de Israel. Na verdade, o deserto é o lugar, por excelência do encontro com Deus. No entanto, o deserto também é o lugar da prova e da tentação. Jesus ao ir, movido pelo Espírito, para o deserto vai para o lugar do encontro com Deus, do encontro com os projectos de Deus mas também para o lugar onde se sente tentado a abandonar os projectos de Deus e a seguir por outros caminhos.

Diz-nos o texto que Jesus esteve 40 dias no deserto. O número 40 é um número simbólico na bíblia. Na verdade, o número 40 indica a vida de toda uma geração ou de toda uma vida e um período de preparação. Assim sendo, é toda a vida de Jesus que esta representada nestes quarenta dias. Durante toda a sua vida, até ao momento da sua morte na cruz Jesus foi provado.

Diz-nos o texto que Jesus no deserto e durante 40 dias foi tentado por satanás. O termo hebraico satan é um nome comum que indica aquele que se põe contra como adversário e acusador. No tempo de Jesus, satanás era considerado um espirito mau e inimigo do homem que procurava destruir o homem e frustrar os projectos de Deus. Assim sendo, no nosso relato satanás representa aquilo que tenta Jesus a esquecer a vontade de Deus e a fazer escolhas que estejam contra a vontade de Deus.

Em último lugar, a referência às feras e aos anjos que serviam Jesus remente-nos para o episódio da criação e da harmonia original com Deus e com a criação que Adão vivia antes do pecado. Na verdade, segundo a catequese de alguns mestres de Israel quando o messias viesse nasceria um mundo harmonioso. Assim sendo, Marcos coloca Jesus em contraposição com Adão. Adão ao ceder à tentação rompeu com a harmonia original. Jesus, pela sua fidelidade, por não ter caído na tentação, restabeleceu a harmonia das origens.

Por sua vez, a segunda parte do evangelho, que corresponde aos restantes versículos do texto deste domingo, é a pregação inicial de Jesus: “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no evangelho”. Breve síntese do ensinamento de Jesus mas carregada de significado teológico.

O tempo que se cumpre, que se completa não é o tempo material (chronos) mas o tempo dos projectos de Deus (Kairós). Ao afirmar que o tempo está cumprido, Jesus diz-nos que chegou o momento de Deus cumprir as suas promessas. Chegou o tempo do Reino de Deus.

O Reino de Deus é um dos grandes temas do evangelista Marcos mas também o grande sonho do Povo de Deus. Na verdade, o Povo de Deus considerava que Deus era o Rei. Os reis que o Povo de Deus teve ao longo da sua história, outra coisa não eram do que instrumentos escolhidos e ungidos por Deus para governar o povo. Figura do rei ideal para a catequese de Israel foi o rei David. Em épocas de grande dificuldade e de má governação, o povo sonhava com o regresso dos tempos gloriosos do rei David. Os próprios profetas anunciavam que Deus no futuro voltaria a reinar sobre o seu povo através do seu Messias e que a paz, a justiça e a felicidade voltariam a ser uma realidade. Jesus, ao anunciar que o tempo se cumpriu e que o Reino de Deus está próximo, está a afirmar que esta grande esperança do povo de Deus, o Reino de Deus, está a ter início com a sua própria pessoa. Jesus de Nazaré é o Messias de Deus que deve estabelecer o tempo do Reino de Deus.

Para que esse Reino se torne realidade, Jesus pede, aos seus ouvintes, que se arrependam, que se convertam, e que acreditem no Evangelho, na boa-noticia. A conversão pedida por Jesus exige que o homem reformule a sua vida, coloque Deus e os seus valores no centro da sua existência e das suas escolhas. Por sua vez, acreditar no evangelho não se reduz a um simples exercício intelectual, mas é adesão, escuta e acolhimento da pessoa e mensagem de Jesus.

Diz-nos o evangelista que esta pregação inicial de Jesus ocorreu depois da prisão de João Baptista e na Galileia. A Galileia não era uma região muito bem vista pelas autoridades religiosas. Na verdade, esta região estava em contacto permanente com os pagãos e por isso, segundo a mentalidade de então, era uma região por onde nunca passaria a proposta salvadora de Deus. No entanto, Deus a todos ama e a todos chama a salvação. Ele não exclui ninguém do seu convite à salvação. A todos Deus chama à conversão, a todos é dirigido o anúncio da proximidade do reino de Deus. Ninguém se deve sentir excluído. A todos é dada a possibilidade de se converter, de acreditar na Boa Nova de tal forma que o Reino de Deus seja a prioridade e o valor fundamental na vida de cada homem.

Aproveitemos este tempo de Quaresma que o Senhor nos oferece. Sintamos e prestemos maior e atenção à mensagem que Jesus nos dirige (“Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no evangelho”) e esforcemo-nos por não cedermos a tantas tentações que nos assaltam e que nos querem conduzir à infelicidade.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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