Ano B – V Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Jer 31, 31-34;
Salmo: Sl 50, 3-4. 12-13. 14-15;
2ª Leitura: Hebr 5, 7-9;
Evangelho: Jo 12, 20-33.

 

Coloca-nos a liturgia da palavra deste V Domingo da Quaresma diante da misteriosa sabedoria do grão de trigo que tem de morrer para dar fruto. A sabedoria do grão de trigo é a chave de leitura da vida de Jesus e do caminho dos discípulos. O discípulo é aquele que segue o mesmo caminho de Jesus, é aquele que segue Jesus que é o grão de trigo lançado à terra na sua encarnação, crucificado sob Pôncio Pilatos e ressuscitado pelo Pai ao terceiro dia.

Começa a liturgia da Palavra deste dia com a promessa de uma nova aliança. O profeta Jeremias anuncia que Deus irá realizar uma nova aliança com o seu povo, aliança essa bem diferente da aliança estabelecida com o povo no monte Sinai. Na verdade, se a aliança do Sinai era uma aliança exterior, uma aliança gravada em tabuas de pedra, a nova aliança será uma aliança interior, uma aliança que estará gravada no coração dos homens. À aliança do Sinai o povo só respondeu afirmativamente com os lábios. Por sua vez, à nova aliança o povo responderá com o coração. Não nos podemos esquecer que para a antropologia semita o coração é o lugar onde se sente, pensa e onde os homens, dialogando consigo mesmos, tomam as suas decisões. Dizer que a nova aliança será gravada no coração dos homens quer dizer que essa aliança estará presente na hora de tomar decisões. Sem uma adesão de coração à aliança será impossível viver na fidelidade à aliança. Só com o coração modificado por Deus é que é possível viver na fidelidade à aliança.

A nova aliança, prometida por Jeremias, realiza-se com o Mistério Pascal de Cristo. Na verdade, Jesus na última ceia afirmou: “este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados”. É no Mistério Pascal que a nova aliança se realiza. É na Paixão e Morte de Cruz que Jesus, derramando o seu sangue, nos perdoa dos nossos pecados. É Jesus, que pelo seu Mistério Pascal, estabelece uma nova relação do homem com Deus, a comunhão perfeita entre Deus e o homem.

Sobre o Mistério Pascal de Cristo, sobre a misteriosa sabedoria do grão de trigo que tem de morrer para dar fruto, nos fala o evangelho deste dia.

O evangelista João, depois de ter narrado a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, apresenta-nos o episódio de uns gregos que desejam ver Jesus. Na verdade, segundo o evangelista João, entre os peregrinos que vieram a Jerusalém para a festa estavam alguns gregos que desejando ver Jesus se dirigiram ao apóstolo Filipe e apresentaram o seu pedido. O apóstolo Filipe referiu o sucedido a André e ambos apresentaram o caso a Jesus. Como resposta, Jesus pronuncia um discurso onde se revela, onde mostra o seu verdadeiro rosto.

Na cena evangélica de hoje, que pretende ser uma catequese sobre o verdadeiro sentido de ver Jesus, nenhum pormenor é supérfluo. O texto começa por apresentar-nos “alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar nos dias das festas”. Estes gregos são os não judeus, são os pagãos que se converteram ao judaísmo ou que simplesmente simpatizam com o judaísmo, são as primícias de todos os povos que, segundo a visão de Isaías, acorrerão a Jerusalém para adorar a Deus. São pessoas que já percorreram um caminho de conversão, já renunciaram aos ídolos pagãos e aderiram ao verdadeiro Deus.

Diz-nos o evangelista que os gregos vieram a Jerusalém para adorar Deus e que queriam ver Jesus. O seu pedido de ver Jesus não deve ser visto como a simples vontade de estarem com o “famoso” do momento. Na verdade, no evangelho de João, ver, mais que curiosidade, é entender o íntimo de uma pessoa, é descobrir a sua identidade. Os gregos desejam ver Jesus para descobrirem se é Jesus que lhes pode dar a salvação. Podemos depreender daqui que Jesus é o novo templo, é o novo lugar onde o Povo encontra Deus e a sua salvação. Além disto, o facto de os gregos procurarem Jesus também nos mostra que a oferta de salvação e a revelação de Deus que Jesus nos oferece não é limitada a um povo concreto mas é oferecida a todos os povos.

Os gregos não vão ter directamente com Jesus. Pedem a mediação do apóstolo Filipe para chegarem até Jesus. Na verdade, é a comunidade cristã que está encarregue do mandato missionário, de levar as pessoas até Jesus. O facto de Filipe não os ter levado logo a Jesus mas de ter exposto o caso a André e de ambos falarem com Jesus sobre o sucedido mostra que a evangelização dos pagãos não foi um tema pacífico nas primitivas comunidades cristãs e que a decisão de anunciar o evangelho também aos pagãos foi uma decisão da comunidade que dialoga com o seu Senhor.

Contado o sucedido a Jesus, os gregos desaparecem de cena. Na verdade, a presença dos gregos foi um preparativo para o tema que Jesus vai desenvolver na resposta dada a André e a Filipe. A resposta de Jesus é uma catequese sobre o “ver” Jesus, sobre a identidade de Jesus. No seu discurso Jesus mostra quem realmente é.

É neste contexto que Jesus apresenta aos discípulos a comparação do grão de trigo: assim como o grão de trigo lançado à terra tem de morrer para dar fruto, assim Jesus, enviado à terra na encarnação, terá de morrer para ressuscitar. Jesus é aquele que por amor e fidelidade a Deus e aos irmãos vai até ao extremo, até à morte. E é essa morte que abre a possibilidade de uma nova vida. Na verdade, a verdadeira glória não é conservar a vida egoisticamente mas dar a vida, entregar a vida por amor de Deus e dos irmãos. Foi este o caminho seguido por Jesus e é este o caminho que Jesus propõe para todos os seus discípulos: “Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna”.

No entanto, pode causar-nos sérias dificuldades aceitar esta lógica do grão de trigo. Também Jesus se sentiu perturbado diante da hora da Paixão e Morte. Comprovação deste facto é o relato do pequeno Getsémani joanino que o evangelho deste dia também nos apresenta: “Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de dizer? Pai salva-me desta hora? Mas por causa disto é que eu cheguei a esta hora. Pai glorifica o teu nome”.

À experiência de Jesus no horto do Getsémani também se refere a segunda leitura deste dia, retirada da epístola aos Hebreus, que pretende fortalecer a fé dos cristãos que vivem situações difíceis de hostilidade e perseguição. Apresentando Jesus como sacerdote, esta leitura mostra como também Jesus viveu a dificuldade ante a hora da sua paixão. Na verdade, “Cristo dirigiu preces e suplicas com grandes clamores e lagrimas Àquele que o podia livrar da morte … apesar de ser filho aprendeu a obediência no sofrimento e … tornou-se…, causa de salvação”. Cristo partilhou com os homens as suas experiências de fragilidade e de dor e por isso é capaz de se compadecer de nós e de nos dar a salvação. Nos momentos de dificuldade, também nós devemos orar a Deus como o fez Jesus antes da sua paixão. Tal oração não deve ser para convencermos Deus da nossa vontade mas para nos conformarmos com a sua vontade. Assim como Jesus foi confortado na sua oração também nós o seremos. Na verdade, à interpelação de Jesus, no evangelho deste dia, segue-se uma voz vinda do céu que diz “já o glorifiquei e o tornarei a glorificar”. Esta voz vinda do céu é a confirmação que o caminho da sabedoria do grão de trigo que morre para dar fruto não é um caminho de morte mas vida.

Que a celebração deste domingo nos leve a descobrir em Jesus o verdadeiro grão de trigo que encarnando, morrendo e ressuscitando instaurou a nova aliança e nos pede que sigamos, apesar das nossas dificuldades e debilidades o caminho que Ele seguiu: o caminho do grão de trigo que morre para dar fruto.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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