Ano B – Domingo de Ramos na Paixão do Senhor

1ª Leitura: Is 50, 4-7;
Salmo: Sl 21, 8-9. 17-18ª. 19-20. 23-24;
2ª Leitura: Filip 2, 6-11;
Evangelho: Mc 14,1-15,47.

 

Celebramos hoje o Domingo de Ramos na Paixão do Senhor. Com a celebração deste domingo damos início à Semana Santa ou Semana Maior, como a chama a Igreja do oriente. No entanto, porque razão chamamos a esta semana de Semana Santa ou Semana Maior? Não é certamente por esta semana ser cronologicamente maior ou por estes dias serem mais santos que os outros. Esta semana chama-se Semana Santa ou Semana Maior porque nela celebramos os acontecimentos mais santos e maiores da nossa fé, ou seja, a celebramos a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Esta é uma semana em que celebramos o essencial da vida dos cristãos e a identidade dos cristãos. Assim sendo, somos convidados nesta semana a fazermos memória do Mistério Pascal e a concentrarmo-nos no essencial.

O título que se atribui à celebração deste VI Domingo da Quaresma (Domingo de Ramos na Paixão do Senhor) indica os dois mistérios que celebramos nesta celebração: a entrada triunfal de Jesus de Nazaré e a Paixão e Morte de Jesus na cruz.

A celebração deste domingo começa com uma procissão, mais ou menos solene, que faz memória da entrada de Jesus em Nazaré. Com esta procissão, que já no século IV se fazia em Jerusalém, comemoramos a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém, como Messias e Servo, para aí realizar a sua entrega pascal para a salvação da humanidade. É a entrada triunfal mas modesta e humilde do Rei e Messias que os profetas anunciaram, que não vem para dominar, mas para servir e dar a vida em resgate pela humanidade. Um triunfo, que é prelúdio de martírio. A comunidade cristã, com cânticos ao Messias e agitando palmas, professa a sua fé, em que a Cruz e a Morte de Cristo são definitivamente uma vitória.

A outra grande característica deste domingo é a proclamação solene do Evangelho da Paixão segundo São Marcos onde fazemos memória da Paixão e Morte de Jesus na cruz. Alguns estudiosos afirmam que os evangelhos mais não são do que a narração da paixão de Cristo com uma larga introdução. Na verdade, a narração dos últimos dias da vida terrena de Cristo e a sua ressurreição constituíram provavelmente o primitivo evangelho da Igreja das origens sobre o qual se modelaram depois os quatro evangelhos canónicos.

O Relato da Paixão de Jesus, sempre que o escutamos, apresenta-se-nos com a sua fraqueza e com a sua força. Com a sua fraqueza porque este relato tem poucas coisas de próprio. Na verdade, são vários os elementos que este relato foi buscar emprestados às narrativas do Antigo Testamento. Prova disto, é a insistência do evangelista Marcos em mostrar que os acontecimentos da Paixão estão relacionados com o cumprimento das Escrituras (cf. Mc 14,49;15,28) quer seja através de citações de passagens do Antigo Testamento quer seja através reminiscências veterotestamentárias.

Na verdade, podemos encontrar no relato da paixão ecos do salmo desta celebração e da misteriosa personagem que a primeira leitura deste domingo nos apresenta. Na verdade, a figura misteriosa do servo do Senhor que, apesar do sofrimento e da dor, confia em Deus e cumpre a sua missão de anunciar a Palavra de Deus, será uma das chaves de leitura da comunidade primitiva para interpretar a vida e missão de Jesus de Nazaré. Ao recorrerem às passagens veterotestamentárias, os evangelistas estão a demonstrar que a Paixão e Morte de Jesus fazem parte do projecto de Deus.

No entanto, o relato da Paixão também se apresenta com toda a sua força. Apresenta-se com toda a sua força porque o mistério pascal é um mistério que nos implica, atravessa e explica. No relato da Paixão, como num espelho o homem vê aquilo que é capaz de fazer, descobre o seu pecado e os efeitos do seu pecado, vê o doentio gosto da morte que invade o coração humano. No entanto, o relato da paixão e morte de Cristo não revela só a verdade do homem. Na cruz de Cristo encontramos a revelação máxima do amor de Deus, um amor que é capaz de acolher o nosso pecado subvertendo-o e levando o homem a sair do círculo de violência em que se encontra e a converter-se. Se a contemplação da Cruz de Cristo revela as nossas violências também é verdade que ela é o remédio para a mortal enfermidade humana. “Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3, 14-15). A Cruz de Cristo é a história do Amor trinitário pelo mundo. A Cruz de Cristo é a história das entregas de Deus. Entrega que o Filho faz de si mesmo ao Pai. Entrega que o Pai faz do Filho à morte por nosso amor. Entrega do Espírito por Jesus ao Pai. É este amor que se entrega, que se dá que é capaz de perdoar, de quebrar o círculo de violência e capaz de reabilitar que é o remédio que se nos oferece.

O relato da Paixão de São Marcos que é proclamado neste domingo contêm uma mensagem de salvação. Não podemos e nunca esgotaremos toda a profundidade do relato da Paixão e Morte de Jesus na cruz. No entanto, deixamos aqui seis pistas de reflexão sobre as diversas cenas do evangelho deste domingo.

A ceia Pascal celebra a entrega total de Jesus e o mistério da contínua presença de Cristo no meio do seu povo através da eucaristia e do sacerdócio. No entanto, nesta ceia anuncia-se a traição de um dos discípulos. Quais são os valores que orientam a minha existência o dom de si, como Jesus, ou a ganância que levou Judas a trair Jesus?

Jesus no Getsémani recorda-nos a necessidade de rezarmos sempre para não desfalecermos nas provas da vida. No entanto, a oração é muitas vezes um momento de agonia, ou seja, de luta onde eu vou conformando a minha vontade com a vontade de Deus. Como é a minha oração? Uma exigência a que se cumpra a minha vontade ou uma conformação à vontade de Deus?

Na Prisão de Jesus contrastam a atitude de Jesus e dos discípulos. Perante esta situação os discípulos usam de violência. No entanto, Jesus reafirma a sua opção pelo perdão e pela não-violência. Quando me sinto ameaçado como reajo? Com perdão ou com violência que gera mais violência?

O processo judeu está dominado pela última revelação da identidade messiânica e divina de Jesus ao seu povo. Também eu me apresento como filho de Deus, como cristão com as minhas atitudes e com as minhas palavras mesmo correndo riscos de descriminação?

O processo romano mostra a incoerência da multidão de Jerusalém que uns dias antes aclamava “Hossana ao Filho de David!  Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!” e que agora grita pedindo a morte de Jesus e a indiferença de Pilatos. Será que somos sempre fiéis a Jesus ou mudamos a nossa opinião segundo o que mais nos interessa? Será que muitas vezes não somos indiferentes como Pilatos e assim somos cúmplices na morte de tantos nossos irmãos?

A crucifixão e morte de Jesus é o cume deste relato. Ante a morte de Jesus o centurião confessa: “Este era verdadeiramente o filho de Deus”. Será que eu reconheço como Deus Jesus crucificado que me convida a seguir o caminho da cruz ou prefiro reconhecer como deuses da minha vida o egoísmo, o triunfo e a glória a qualquer custo?

Todos os cristãos, por serem seguidores de Cristo, devem viver e orientar-se pelos mesmos valores que marcaram a existência de Cristo. No entanto, muitas vezes nós assemelhamo-nos à comunidade de Filipos, a quem era dirigida, a carta da segunda leitura deste domingo. Na verdade, como os filipenses nós podemos ser uma comunidade entusiasmada, generosa e comprometida mas também uma comunidade para quem o desprendimento, a humildade e a simplicidade não são valores apreciados. A esta comunidade e também a nós Paulo apresenta-nos um antigo hino litúrgico que mostra o aniquilamento de Cristo: ele que era de condição divina fez-se homem e fazendo-se homem humilhou-se ainda mais até à morte na cruz. Todos nós ao contemplarmos Cristo crucificado estamos chamados a seguir o exemplo de humildade, simplicidade e entrega da vida de Cristo. E podemos ter a certeza que este caminho não levará ao aniquilamento mas à Ressurreição: “Por isso Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.”

O melhor resumo e conclusão da mensagem do dia de hoje nos oferece São Paulo da Cruz: “A Paixão de Cristo é a maior e mais maravilhosa obra do amor Divino” e “A paixão de Cristo é o remédio mais eficaz contra os males de todos os tempos”. Vivamos intensamente esta semana com uma participação efectiva e afectiva nas diversas celebrações. Na verdade, é a nossa história que celebramos.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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