Ano B – XIV Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Ez 2, 2-5;
Salmo: Sl 122, 1-2a. 2bcd. 3-4;
2ª Leitura: 2 Cor 12, 7-10;
Evangelho: Mc 6, 1-6.


A Liturgia da palavra do XIV Domingo do Tempo Comum convida-nos a reflectir sobre a vocação. Na verdade, quando falamos de vocação há sempre muitas perguntas que nos vem à mente: quem é que aquele que chama? A quem chama? Para que missão chama? As leituras deste domingo oferecerem-nos a resposta a estas interrogações. 

A liturgia da Palavra deste domingo começa com o relato da vocação de Ezequiel. Ezequiel foi um profeta que viveu na época do exílio da Babilónia e que exerceu a sua missão no meio dos exilados, missão essa que se pode dividir em duas fases. Numa primeira fase, o profeta anunciou ao povo que o exílio não era uma situação provisória, acabando assim com as falsas expectativas e esperanças de alguns exilados, e denunciou as infidelidades a Deus que o povo que não tinha sido deportado continuava a cometer. Por sua vez, na segunda fase da sua missão, o profeta Ezequiel foi o profeta da esperança. Na verdade, a um povo que vivia exilado e que sofria a ausência do templo e se sentia desalentado, o profeta anuncia que Deus é o salvador e o libertador e não se esqueceu do seu povo.  

No início do livro do profeta Ezequiel encontramos o relato da sua vocação. Este texto, através de uma linguagem específica, quer mostrar que Ezequiel é um instrumento escolhido e enviado por Deus a desempenhar uma missão particular. No relato da sua vocação, encontramos três elementos importantes para compreendermos a vocação: a vocação é um chamamento de Deus dirigido a um homem concreto tendo em vista uma missão particular.  

Em primeiro lugar, o relato da vocação do profeta Ezequiel recorda-nos que a vocação não é uma iniciativa humana mas é Deus quem chama. Na verdade, a primeira leitura afirma: “O Espírito entrou em mim e fez-me levantar. Ouvi então alguém…”. É verdade, que na leitura proclamada não se afirma que esse alguém seja Deus mas pelo contexto podemos concluir que é Deus que chama. Na verdade, o livro do profeta Ezequiel, antes do trecho proclamado neste dia, apresenta uma manifestação de Deus e a expressão “O Espirito entrou em mim e fez-me levantar” recorda-nos a força divina que Deus concedia aqueles que foi chamando ao longo da história da salvação (juízes, reis e profetas). Assim sendo, a primeira coisa que a leitura do livro de Ezequiel deixa bem claro é que a iniciativa do chamamento, da vocação é de Deus e não humana. 

Mas quem é que Deus chama? Deus dirige o seu chamamento a pessoas concretas. Na verdade, nesta leitura, Deus dirige-se a Ezequiel utilizando a expressão “Filho do homem”. Esta expressão hebraica não designa alguém que seja um super-homem mas um homem frágil e limitado. Assim sendo, vemos que Deus não chama os capacitados mas vai capacitando aqueles que chama. A fragilidade, a indignidade e a limitação daquele que é chamado não são um impedimento para Deus porque é Deus que ajuda e dá força, alento e coragem àqueles a quem chama. 

Ilustra-nos bem esta realidade a segunda leitura proclamada neste domingo da segunda carta do Apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto. Depois de um conflito entre a comunidade de Corinto e Paulo, causado por uns missionários itinerantes que afirmavam que Paulo era inferior aos outros apóstolos e que a sua doutrina não estava em consonância com a dos apóstolos, os cristãos, por intermédio de Tito, voltaram a comunhão com o Apóstolo Paulo e este escreveu-lhes uma carta onde faz uma apologia do seu apostolado e pede que os coríntios participem numa colecta em favor dos cristãos de Jerusalém. 

É nesta carta que o Apóstolo Paulo, reconhecendo que o Senhor também se revelou a Ele, mostra a sua fragilidade e as suas limitações: “foi-me deixado um espinho na carne, um anjo de satanás que em esbofeteia.” Não sabemos em concreto que limitações são essas a que Paulo se refere. Pode referir-se a uma doença ou às dificuldades que o apóstolo tem de ultrapassar para anunciar o evangelho. O apóstolo diz-nos que por três pediu ao Senhor que afastasse dele esse espinho cravado na carne, esse anjo de satanás que o esbofeteia. No entanto, o Senhor não realizou o pedido de Paulo e disse-lhe: “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se manifesta o meu poder”. É por isto que o apostolo se gloria das suas fraquezas, porque elas são a prova de que Paulo não age por si próprio. É o poder de Cristo que age nele. 

Assim sendo, a debilidade, as fragilidades e as limitações do chamado não são algo impeditivo para que Deus o chame. O que realmente conta é a graça, o amor de Deus. É a graça de Deus que conforta, anima, estimula e ajuda o chamado a realizar a sua missão. As debilidades do chamado são a prova de que Deus não o chamou porque ele era bom, forte e capaz. Na nossa vida de fé, temos muita dificuldade em aceitar isto. Nós somos o que somos pela graça de Deus. A nossa vida de fé não é uma vida de conquistas pessoais mas é uma vida de acolhimento da graça de Deus que nos vais animando, capacitando, fortalecendo e moldando.

A terceira característica da vocação é que Deus chama o eleito para uma missão específica. No caso do profeta Ezequiel, Deus chamou-o para anunciar ao seu povo a sua palavra. No entanto, as dificuldades não estarão ausentes e Deus adverte o profeta disso: “Podem escutar-te ou não … mas saberão que há um profeta no meio deles”. Apesar das dificuldades, o profeta deverá continuar a desempenhar a sua missão, deverá continuar a ser uma presença interpelante. 

Exemplo concreto da rejeição do povo ao grande enviado de Deus, Jesus de Nazaré, mas também de fidelidade à sua missão é o evangelho deste domingo. São Marcos transmite-nos, no evangelho deste domingo, a reacção negativa, a oposição e a incompreensão que Jesus encontrou na sua cidade de Nazaré. Depois de Jesus ter entrado num sábado na sinagoga e de ter lido e explicado a palavra de Deus, os seus conterrâneos tem para com ele uma reacção negativa. Na verdade, não percebem a origem e a qualidade das palavras e acções de Jesus de Nazaré. Para eles, Jesus é o carpinteiro, o filho de Maria e o familiar de Tiago, de José, de Judas e de Simão. A imagem que o povo tinha do Messias ou dos profetas não era compatível com a vida profissional e familiar de Jesus. Os conterrâneos de Jesus são incapazes de reconhecer naquilo que Jesus diz e faz a presença de Deus. Por isso todos estavam perplexos com Jesus, melhor dizendo, escandalizados. 

Que faz Jesus ante esta rejeição? Desiste da sua missão? Não! Ante a rejeição dos seus conterrâneos Jesus toma duas atitudes concretas. Em primeiro lugar, Jesus, adaptando proverbio, responde deixando bem claro que é um enviado e que actua em nome de Deus: “Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa”. A este ponto o evangelista diz-nos que Jesus não realizou em Nazaré nenhum milagre, à excepção de umas curas de doentes, e que estava admirado com a falta de fé daquela gente. Na verdade, Deus sempre propõe mas nada impõe. Deus respeita a nossa liberdade. Em segundo lugar, Jesus, ante a rejeição dos seus conterrâneos, não desiste da sua missão mas prossegue-a: “e percorria as aldeias dos arredores, ensinando”. A rejeição não impede que Jesus continue a proclamar a boa nova do Reino e a antecipa-lo com os seus milagres.

Também a nós nos interpela esta atitude de Jesus. Na verdade, muitas vezes desanimamos na nossa missão quando aparecem algumas dificuldades e pensamos logos em desertar. No entanto, devemos manter-nos fiéis à nossa vocação e, contra todos os ventos e marés, devemos cumprir a missão encomendada pelo Senhor. 

Todos os cristãos receberam do Senhor uma vocação, uma missão: a santidade, a construção, no aqui e no agora da história, do Reino de Deus. Acolhamos a chamada que Deus nos faz, cooperemos com a sua graça e não desistamos da nossa vocação quando aparecerem as dificuldades, as incompreensões e o cansaço. A vocação é uma escolha de Deus sustentada pela graça divina que nos ajuda a superar todo e qualquer obstáculo.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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