Ano A – IV Domingo da Quaresma

1ª Leitura: 1 Sam 16, 1b. 6-7. 10-13ª;
Salmo: Sl 22, 1-3a. 3b-4. 5. 6;
2ª Leitura: Ef 5, 8-14;
Evangelho: Jo 9, 1-41.

 

No quarto Domingo da Quaresma a Liturgia propõe-nos o episódio joanino do cego de nascença. Este é um dos setes sinais que João, no seu Evangelho, apresenta. Na verdade, João apresenta os milagres operados por Jesus como sinais. Os milagres que Jesus opera, para João, mais que actos taumatúrgicos extraordinários, são acontecimentos que nos ajudam a descobrir a verdadeira identidade e missão de Jesus.

Assim sendo, o episódio do cego de nascença pretende ser mais do que uma reportagem jornalística dos factos. Pretende ser uma catequese que apresenta Jesus como a luz do mundo. Na verdade, no capítulo anterior Jesus já se tinha apresentado como a luz do mundo: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.” (Jo 8, 12).

O ambiente em que decorre este sinal de Jesus é significativo. Na verdade, o episódio narrado pelo evangelho deste domingo acontece durante a festa judaica das tendas. Esta festa celebrava-se no Outono e comemorava a peregrinação de Israel no deserto antes de entrarem na Terra Prometida. Na verdade, durante esta caminhada em direcção à Terra Prometida os israelitas viviam em tendas. O ritual desta festa compreendia a cerimónia do Sumo-sacerdote descer à piscina de Siloé e encher uma garrafa de ouro com água dessa piscina para a derramar no altar dos holocaustos. Além disto, também se acendiam, na noite desta solenidade, tochas nos muros do templo de Jerusalém que iluminavam toda a cidade santa. E num contexto de água e luz que o evangelista João apresenta-nos um sinal de Jesus centrado na água e na luz.

O texto evangélico começa por indicar que “Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença”. Parece estranho o facto do evangelista referir que foi Jesus a encontrar o cego quando são os discípulos os primeiros a falar desse cego. No entanto, foi Jesus que verdadeiramente encontrou o cego, porque não se limitou a “teologizar” sobre ele como fizeram os discípulos mas aproximou-se dele e, fazendo um pouco de lodo com saliva e terra, colocou-a nos olhos do cego e enviou-o a lavar-se à piscina de Siloé.

Os discípulos nada fazem pelo cego mas, seguindo a concepção da época, perguntavam a Jesus quem tinha pecado para esse homem ter nascido cego. A teologia oficial dos israelitas afirmava que as deficiências físicas eram resultado do pecado dos pais ou de um pecado cometido pela criança no seio de sua mãe. Como a cegueira era uma das deficiências mais graves, uma vez que impedia a pessoa de estudar a lei de Deus, de servirem de testemunhas nos tribunais e de participarem nas celebrações religiosas no templo de Jerusalém, era considerada o resultado dum pecado muito grave.

Jesus insurge-se contra este tipo de mentalidade que afirmava que as doenças eram o castigo de Deus por um pecado cometido. Na verdade, Jesus afirma “Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus.” Jesus aproveita esta situação para mostrar a sua missão. Jesus passa das palavras aos actos. Todas estas acções de Jesus são simbólicas e indicam-nos um significado ulterior.

O gesto de Jesus fazer um pouco de lodo evoca-nos o episódio da criação do Homem onde Deus modela no barro o Homem (Gn 2,7). Além disso, como afirma o Livro do Génesis, Deus insuflou nas narinas do homem o seu sopro de vida. Também Jesus pela saliva transmite ao homem a sua energia vital. A missão de Jesus é criar um Homem Novo.

No entanto, neste processo de cura, não é Jesus que faz tudo. Há a necessidade da cooperação do Homem. Ele deve ir lavar-se à piscina de Siloé. O evangelista João refere que Siloé quer dizer Enviado. Jesus é o enviado por excelência do Pai. Santo Agostinho, a propósito do nome da piscina, afirma: “o cego lavou os seus olhos nessa fonte que se traduz ‘enviado’, isto é, foi baptizado em Cristo.” Na verdade, este texto bíblico foi interpretado numa perspectiva baptismal. Prova disso são a representação, como se de um baptismo se tratasse, deste texto bíblico nas catacumbas romanas. Além disso, não nos podemos esquecer que nos primeiros tempos o baptismo era designado de iluminação.

Este milagre não é a simples cura de um cego mas a história de uma conversão e iluminação. O cego curado ajuda-nos a fazer um itinerário de fé na pessoa de Jesus. Antes de Jesus se cruzar com o cego, ele estava preso nas trevas do pecado. No entanto, Jesus aproximando-se dele e dá-lhe a luz da vida nova. No início, o Cego não tem grandes certezas. Mas, faz um caminho: começa por afirmar que Jesus é um homem, depois que é profeta, depois que é um enviado de Deus e por fim prostra-se diante de Jesus e afirma que ele é o Senhor. Neste caminho está representado o processo de todos aqueles que se aproximam do baptismo. Em primeiro lugar está o encontro com Jesus, o sermos encontrados pelo Amor de Deus. É a primazia da graça na nossa vida. Depois deste primeiro encontro com Jesus vamos conhecendo-o melhor e amadurecendo a nossa fé. Tudo isto culmina na adesão total a Jesus, no prostrarmo-nos diante dele e no reconhecermos que Ele é o Senhor. Como baptizados também nós temos de nos prostrarmos diante de Jesus e de confessar que ele é o Senhor, ou seja, o verdadeiro Deus da minha vida. Na verdade, apesar de termos sido baptizados quando éramos crianças, pode ser que não nos prostremos diante de Jesus e reconheçamos que ele é o Senhor. Muitas vezes somos escravos de outros senhores que não nos deixam viver na luz mas nas trevas.

Além da atitude de fé do cego, o evangelista João também nos narra outras três atitudes que podemos ter diante de Jesus. A primeira atitude é representada pelos conhecidos e vizinhos curiosos do cego. Ao verem o cego de nascença interrogam-se e perguntam onde está Jesus. Sentem vontade de se encontrar com Jesus mas não se atrevem a dar o passo decisivo. Ainda hoje há tantos cristãos que, como estes concidadãos do cego, se sentem interpelados pela pessoa de Jesus mas são incapazes de saírem do seu comodismo. Pessoas que reconhecem as vantagens da luz mas que por preguiça continuam nas trevas.

A segunda atitude é representada pelas autoridades obstinadas. Os fariseus são aqueles que recusam totalmente Jesus. Os fariseus são aqueles que estão instalados nas trevas e que recusam que Jesus os incomode.

A terceira atitude é representada pelos pais atemorizados. Os pais, pelo medo do que dirão e pelo medo de perder certos privilégios, lavam as suas mãos, não se querem comprometer. Por medo deixam-se dominar pela opinião dominante e preferem continuar nas trevas do que passar à luz.

Nós como baptizados também somos chamados a dar testemunho de Cristo como o cego de nascença foi chamado a dar pelos fariseus. A fórmula com que o cego é interpelado pelos fariseus, “Dá glória a Deus”, é uma fórmula bíblica para mandar alguém dizer a verdade e reparar a ofensa à majestade divina. Ante este pedido o cego de nascença, argumentando com inteligência e ironia, torna-se o homem das certezas e dá testemunho de Jesus, recusa as trevas e aceita a luz de Jesus.

Todos nós como baptizados estamos chamados a ser testemunhas da luz. A segunda leitura desta celebração, retirada da Carta do apóstolo Paulo aos Efésios, é uma excelente síntese do que comporta ser baptizado, de viver na luz. Paulo, nesta Carta enviada às igrejas da Ásia Menor e que é uma síntese da sua teologia, faz uma exortação aos baptizados. Os baptizados devem-se revestir de Cristo, imitar a Deus e passar das trevas à luz.

Paulo, utilizando os símbolos da luz e das trevas que eram comuns no seu tempo, convida os baptizados a abandonarem as trevas e a viverem como filhos da luz. Ser filho da luz é viver na bondade, na justiça e na verdade e condenar e desmascarar as trevas do pecado.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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