Ano A – XVIII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Is 55, 1-3;
Salmo: Sl 144, 8-9. 15-16. 17-18;
2ª Leitura: Rom 8, 35. 37-39;
Evangelho: Mt 14, 13-21.


A nossa reflexão sobre a liturgia da Palavra deste XVIII Domingo do Tempo Comum pode e deve começar na exclamação entusiasta de Paulo que escutamos na sua epístola aos Romanos: “ Nada nos poderá separar do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, Nosso Senhor”. Na verdade, no início de tudo e a sustentar tudo outra coisa não está senão o amor de Deus que se manifesta abundantemente em Jesus.

Depois de longas e complexas reflexões sobre o tema da salvação e da justificação, onde o apóstolo Paulo afirma que a toda a toda a humanidade que vive sob o domínio do pecado é oferecido o dom da salvação e da justificação de forma gratuita por Jesus Cristo e através do Espírito Santo, a epístola aos Romanos oferece-nos este maravilhoso hino ao amor de Deus que nos ajuda a superar todas as dificuldades.

Quem aceita o dom da salvação e deseja viver a vida nova segundo o Espírito encontrará no seu caminho várias dificuldades que tem de ultrapassar. Aceitar o dom da salvação e viver a vida nova do Espírito é algo exigente e pode acarretar consigo dificuldades. Na verdade, quem se decide a viver a vida nova do Espírito, a vida do amor, da alegria, da paz, da paciência, da benignidade, da bondade, da fidelidade, da mansidão e do auto-domínio (cf. Gl 5, 22), a exemplo de Cristo, pode ter de enfrentar “a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada”.

No entanto, nada nem ninguém pode vencer o amor de Deus pela humanidade que se revelou de forma exímia na paixão, morte e ressurreição de Jesus. Animados pelo amor de Deus que nos cria e recria podemos enfrentar todas as dificuldades do nosso caminho de seguidores de Jesus. Animados pelo amor de Deus podemos superar todas as dificuldades que se nos apresentam. É por isso que também nós podemos exclamar como o apóstolo Paulo o faz na sua segunda carta aos coríntios: “Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados” (2 Cor 4, 8-9). E isto porque Deus nos ama! E isto não são meras palavras de consolo. São palavras que transformam totalmente a nossa existência. Será que já pensamos na força transformadora e estimulante que o amor de Deus tem na nossa vida? Será que já aceitamos o amor de Deus na nossa própria vida? O amor de Deus é aquilo que cada homem e mulher mais necessitam. E este amor não se reduz a meras palavras bonitas. Este amor é salvação e isto prova-o quer a primeira leitura quer o evangelho deste domingo.

A primeira leitura é retirada do capítulo 55 do livro de Isaías, ou seja, do chamado livro do segundo Isaías. O contexto a que se refere este texto é o exílio da Babilónia. Jerusalém foi conquistada e o povo foi deportado para a Babilónia. O povo vive tempos de desolação e tristeza. Jerusalém está destruída e o povo está no exílio, longe da sua pátria e das suas referências. Agrava esta situação as dúvidas de fé que surgem no povo como consequência do exílio: será que Deus é mesmo o libertador do seu Povo? É neste ambiente que aparece o Deutero-Isaias com uma mensagem de libertação do exílio e de regresso a Jerusalém. O profeta mostra o rosto de um Deus providente e amoroso que cuida do seu povo. O profeta anuncia o convite de Deus: o convite de um novo êxodo; convite a deixar a terra da escravidão e a dirigir-se para a nova Jerusalém que Deus constrói para o seu povo. Tal quadro de salvação é ilustrado com a imagem do banquete onde Deus oferece ao seu povo vinho, leite e manjares suculentos. No entanto, para atingir esta terra da liberdade é necessário ter a coragem de arriscar. Na verdade, depois de mais de quarentas anos de exílio nem todos estavam dispostos a deixarem a relativa segurança da Babilónia e a regressarem a Jerusalém. Muitos preferem continuar a gastar o dinheiro naquilo que não alimenta e a trabalhar por aquilo que não sacia.

Que bem retrata esta leitura a situação que ainda hoje vivemos. São tantos aqueles que se queixam da situação de exílio e de desespero em que vivem. No entanto, quando Deus lhes oferece uma possibilidade de um mundo novo, um mundo de felicidade, retraem-se e preferem continuar no exílio de sempre do que enfrentarem a novidade da salvação que Deus oferece. Deus ama-nos e oferece-nos a possibilidade de um novo mundo. No entanto, o homem tem de ser capaz de arriscar, de deixar as antigas seguranças. O amor de Deus não para de nos oferecer a salvação. No entanto, o homem tem de aceitar o convite e de saber gastar o seu dinheiro naquilo que alimenta e a trabalhar naquilo que sacia. Na verdade, a todos aqueles que animados pelo amor de Deus sabem desinstalar-se e pôr-se a caminho para onde Deus chama Deus oferece uma água de vida e um alimento de felicidade, Deus estabelece uma aliança eterna que nada e ninguém podem destruir.

Do amor e da compaixão de Deus revelada em Jesus também nos fala o evangelho deste domingo.

Chama-nos à atenção às diferentes atitudes que tem Jesus e os discípulos ante a multidão doente e faminta. Jesus enche-se de compaixão, daquele amor que sabe amar e sofrer com o outro, e cura-os e oferece-lhes o alimento. Bem diferente, do “coração condoído e solidário com as necessidades dos outros, que, por isso mesmo, se faz próximo, se adianta e auxilia” de Jesus é o coração dos discípulos que se dando conta que estavam no deserto e de que a hora ia avançada pedem a Jesus que mande embora as pessoas.

Ante tal proposta, outra não podia ser a reacção de Jesus do que ensinar os discípulos a agirem segundo a lógica do Reino: “Não precisam de ir embora: dai-lhes vós mesmos de comer”. Também a nós, que vivemos neste mundo em que a fome quer de pão quer de razões de vida fustiga tantos irmãos nossos, se dirige esta interpelação de Jesus: não ignoreis a indigência dos irmãos mas oferecei e partilhai alimentos e razões de vida. Como os discípulos, também nós nos devemos estar a perguntar como será isso possível uma vez que só temos “cinco pães e dois peixes”, uma vez que são tão exíguos os nossos recursos?

O milagre da multiplicação dos pães é uma boa lição, em três momentos, de como podemos responder a este desafio de Jesus. A primeira lição que Jesus nos oferece é que todos nós temos responsabilidade diante da fome do mundo. A comunidade cristã não se pode limitar a constatar a realidade da fome do mundo. A comunidade cristã, a exemplo do coração compassivo de Jesus, não pode ficar indiferente diante do sofrimento do mundo. A segunda lição de Jesus neste milagre ensina-nos a dar resposta ao desafio que se nos apresenta. Ante a fome deste mundo temos de aprender a partilhar tudo o que somos e temos. É isto que se quer simbolizar com os cinco pães e dois peixes. São sete os elementos que se partilham, e sete é o número da totalidade. Devemos aprender a partilhar tudo o que temos e somos. Só a partilha é que é capaz de resolver a fome do mundo. A terceira lição de Jesus refere-se ao motivo da partilha. Devemos partilhar o que temos e somos porque aquilo que possuímos é um dom de Deus. É por isso que Jesus erguendo os olhos ao céu pronuncia a bênção, recita aquela oração onde se dá graças a Deus pelos bens recebidos e onde se reconhece que aquilo que possuímos é dom de Deus. E se é dom de Deus é para ser partilhado. Nos não somos donos mas administradores dos dons de Deus. Em tempos de crise económica e de valores temos de reavivar o ensinamento evangélico que o Vaticano II nos transmitiu: “quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros” (Constituição pastoral Gaudium et Spes, 69).

Que a celebração da eucaristia, mesa comum que Deus prepara para todos os seus filhos e a todos oferece o pão da vida, nos ensine o valor da partilha. Na verdade, outra coisa não é o convite de Jesus, “Dai-lhes vós de comer” do que a eucaristia continuada no mundo.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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