Salmo: Sl 94, 1-2. 6-7. 8-9
2ª Leitura: Rom 13, 8-10
Evangelho: Mt 18, 15-20
Depois de ter lido e reflectido a liturgia da Palavra deste domingo, veio-me à mente o diálogo que o livro dos Génesis nos transmite entre Deus e Caim depois de este ter cometido o fratricídio: “O Senhor disse a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» Caim respondeu: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?»“ (Gn 4, 9). A resposta de Caim resume muito bem a atitude que muitos de nós adoptamos ante a vida dos irmãos. Na verdade, não nos sentimos responsáveis pela vida dos nossos irmãos. No entanto, a liturgia da palavra deste domingo deixa bem claro a nossa responsabilidade face aos irmãos. Não podemos ficar indiferentes diante do irmão.
Tal responsabilidade pela vida e pela felicidade dos irmãos nasce do mandamento do amor ao próximo, mandamento que resume toda a lei e do qual o apóstolo Paulo nos fala na segunda leitura deste dia.O texto paulino que proclamamos este domingo pertence à segunda parte da carta aos romanos. Depois de Paulo, na primeira parte desta carta, ter reflectido sobre o desígnio de salvação de Deus para todos os povos, na segunda parte sua carta, reflecte nos efeitos práticos que a nossa adesão a Cristo e o nosso baptismo comportam.
Aqueles que acreditam em Jesus devem viver uma vida baseada no amor. Como nos diz o apóstolo Paulo: “a caridade é o pleno cumprimento da lei”. Na verdade, no amor a Deus e ao próximo resumem-se todos os mandamentos do cristianismo. Os outros mandamentos outra coisa não são do que especificações e formas concretas de viver o nosso amor a Deus e aos irmãos. Amar uma pessoa não se limita a dizer belas palavras. Amar exige actos concretos de entrega, respeito e ajuda. A moral cristã e a moral do amor que se dá, que respeita, que cuida e protege.
E amar deste forma e a 100 por cento nunca se consegue totalmente. É por isto que o apóstolo Paulo nos exorta: “Não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros”. Nunca amamos o suficiente, estamos sempre chamados a amar mais e mais. A nossa medida de comparação no amor é o Senhor Jesus. Foi Ele que nos disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. E tão longe estamos deste amor de Cristo por cada um de nós: um amor que se dá, um amor solidário, um amor compassivo, um amor que sabe perdoar. Quem diz que já amou o suficiente é porque nunca começou a amar.
Uma das formas concretas de amar o próximo é a atenção e o cuidado que devemos ter pela vida dos nossos irmãos. Uma atenção que não é coscuvilhice mas preocupação e cuidado e que por isso quer ajuda-lo a encontrar caminhos de vida e de felicidade. Desta atenção pela vida dos irmãos nos fala a primeira leitura e o evangelho deste domingo.
Na primeira leitura retirada da profecia de Ezequiel, a missão profética é comparada com a missão da sentinela. São vários os profetas que recorrem à imagem da sentinela para se referirem à missão profética. A sentinela desempenhava um papel importante na defesa da cidade. Na verdade, enquanto todos dormiam ela estava em vigília no posto de vigia para descobrir todas a possíveis ameaças à segurança da cidade. Além disto, quando pressentia o perigo, ela tinha a missão de dar o alarme para que a cidade pudesse preparar a sua defesa.
Depois da descrição da missão da sentinela vemos que existem muitas pontes entre a missão da sentinela e a missão do profeta. O profeta é uma sentinela que Deus coloca na cidade humana. Ele deve ser um homem atento: atento à palavra de Deus e atento aos sinais dos tempos. O profeta é o homem da dupla fidelidade: a fidelidade a Deus e à fidelidade aos homens. O profeta porque lê e medita a palavra de Deus e porque lê o jornal diário apercebe-se que não poucas vezes os caminhos dos homens são bem diferentes dos caminhos e da vontade de Deus. Ante tal constatação, o profeta não pode ficar indiferente, não pode seguir tranquilamente a sua vida como se não tivesse nenhuma responsabilidade pela vida e pela felicidade dos seus irmãos. O profeta atento à palavra de Deus e às vicissitudes da história humana deve denunciar todos os caminhos errados do homem e deve anunciar a vontade de Deus. Tal missão pode causar sofrimentos. No entanto, o profeta não pode demitir-se da sua missão porque o amor ao irmão exige que se lhe diga que os caminhos que está a percorrer não são caminhos de vida e de felicidade mas de pecado.
Da exigência e da forma a levar a cabo a correcção fraterna fala-nos o evangelho deste domingo. O texto do evangelho de Mateus que é proclamado este domingo insere-se no chamado discurso eclesial. Este discurso é uma catequese sobre a vida da comunidade cristã. Como qualquer outra comunidade também a comunidade a que se dirige o evangelho de Mateus não era uma comunidade perfeita e tinha alguns problemas. Assim sendo, através do discurso eclesial Mateus aborda temas tão importantes como a humildade, a simplicidade, o perdão, a correcção fraterna, entre outros.
O trecho evangélico que hoje é proposto aborda a maneira de nos relacionarmos com os irmãos que erraram. Ante a constatação de um erro de um membro da comunidade como se devem comportar os cristãos? Devem colocar de parte o pecador ou devem ir ter com ele e tentar que ele volte ao bom caminho?
No nosso dia-a-dia, as atitudes que temos com os irmãos que erraram muitas vezes são pouco evangélicas e cristãs. Na verdade, quase por tendência natural, quando descobrimos que alguém errou começamos a criticar essa pessoa por trás e de certa forma até a descriminamos. No entanto, esta não é a atitude de Jesus para com aqueles que erraram, essa não é a atitude que a comunidade cristã deve adoptar diante do irmão pecador. Jesus convida-nos à correcção fraterna e não à crítica fácil e severa e à marginalização.
No evangelho de hoje, Jesus oferece-nos um caminho com várias etapas que procura a conversão daquele que errou. Ante o erro de um irmão, a primeira coisa que se deve fazer é ir falar com ele a sós. Com muita caridade devemos dirigir-nos ao irmão e mostrar-lhe o seu erro. Quantos erros poderiam ser corrigidos se tivéssemos a caridade e a coragem de os identificar aos nossos irmãos. Na verdade, pode acontecer que muitas vezes uma pessoa esteja a errar e não se dê conta. É mais difícil mas é mais proveitoso o diálogo sobre o erro com o irmão que erra do que andar a criticar por trás esse erro. Quando um irmão erra a nossa primeira atitude deve ser falar com o irmão sobre o seu erro e não falar mal do irmão.
No entanto, Jesus também reconhece que o irmão que erra pode persistir no erro depois do diálogo a sós. Nestes casos, Jesus aconselha outra estratégia que é o recurso a outros irmãos. Pode acontecer que sendo vários a dizerem-lhe o mesmo ele se arrependa e converta do seu erro.
Contudo, pode acontecer que mesmo assim aquele que errou persista no seu erro e não se arrependa. Neste caso, Jesus aconselha a levar o caso à comunidade cristã. A comunidade deve falar com o irmão que erra, mostrar-lhe o seu erro e confronta-lo com o compromisso que fez com Cristo tentando que ele se converta. Se mesmo assim o irmão que errou não se arrepender e não se converter Jesus diz-nos para tratar esse irmão como um pagão ou um publicano. Para o judaísmo os pagãos e os publicanos eram aqueles que estavam em situação de erro e obstinando-se nos seus erros recusavam qualquer oportunidade de fazer parte da comunidade. Ao persistir no seu erro, o irmão pecador coloca-se à margem da comunidade. Ante o facto de o irmão pecador de uma forma consciente e obstinada manter-se no seu erro que o colocam à margem da comunidade a Igreja é chamada a tomar uma posição.
No entanto, não é por isso que a comunidade o deve abandonar à sua sorte e não se preocupar com ele. Na verdade, não nos podemos esquecer da atenção e do amor misericordioso que Jesus tinha para com os publicanos e pecadores.
Que a celebração deste domingo aumente em nós o amor ao próximo, um amor que se preocupa com a vida do outro e que vai ao encontro dele para o ajudar. Que a celebração deste domingo nos ajude a perceber a importância da correcção fraterna.
P. Nuno Ventura Martins
missionário passionista