Ano A – XXXI Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Mal 1, 14b – 2, 2b. 8-10;
Salmo: Sal 130, 1. 2. 3;
2ª Leitura: 1 Tes 2, 7b-9. 13;
Evangelho: Mt 23, 1-12.

 

A liturgia da palavra deste XXXI Domingo do Tempo Comum ajuda-nos, pelas críticas (primeira leitura e evangelho) e pelo belo exemplo que apresenta (epístola de S. Paulo) a traçar o perfil daqueles que detêm algum tipo de responsabilidade no seio da comunidade cristã.

A primeira leitura deste domingo, retirada do livro de Malaquias, é uma forte interpelação aos sacerdotes judaicos que se afastaram de Deus e também afastaram o Povo de Deus que a eles estava confiado. Malaquias, o enviado do Senhor, vive numa época problemática. Estamos no pós-exílio. O povo de Deus já regressou da Babilónia, o templo já está reconstruído e o culto recomeça a funcionar. No entanto, as promessas de Deus, anunciadas pelo Deutero-Isaías e por Ezequiel, tardam em concretizar-se. Assim sendo, as pessoas começam a desanimar e a perder a sua confiança em Deus. A este desânimo e desconfiança juntava-se a degradação ética e cultual.

É ante esta situação que o Mensageiro do Senhor, que, seguindo a lógica deuteronomista, considera que a infelicidade é o resultado da infidelidade à lei de Deus e que a felicidade é o resultado da fidelidade à aliança, denuncia a situação que o Povo de Deus está a viver e pede a fidelidade à aliança e a conversão. Assim sendo, Malaquias coloca cada pessoa diante de Deus e expõe as responsabilidades que cada pessoa tem com Deus. O texto que escutamos este domingo é a acusação que o profeta faz aos sacerdotes. Deveriam ser os sacerdotes os primeiros a estabelecer a relação entre Deus e o seu povo e vice-versa. Na verdade, era função dos sacerdotes ensinar a lei de Deus e apresentarem a Deus os sacrifícios da lei. No entanto, os sacerdotes não só se desviaram da lei de Deus como também fizeram com que o povo se desviasse ao ensinar uma lei deturpada.

Exemplo concreto desta infidelidade dos sacerdotes era a perversão do culto. Na verdade, movidos pelos seus interesses pessoais e pelo lucro, os sacerdotes apresentavam como sacrifício animais com defeitos. Assim sendo, os sacrifícios não eram actos de amor a Deus mas um desrespeito do povo para com Deus.

Como se a perversão do culto não chegasse, os sacerdotes também perverteram a lei de Deus. Em vez de encaminharem o povo pelo caminho da fidelidade aos mandamentos de Deus, contribuíram para a que o povo se afastasse da lei de Deus. Além disto, os sacerdotes também faziam acepção de pessoas, muito provavelmente tratavam, com maior delicadeza, os ricos e os poderosos do que os pobres e os humildes. Assim sendo, os sacerdotes esqueceram-se da sua função: dar glória a Deus. Deus não pode compactuar com tal situação e por isso anuncia que vai desmascarar e desautorizar estes sacerdotes que não estão a aproximar mas a afastar o povo de Deus.

Crítica feroz lançada contra os dirigentes religiosos do seu tempo é também o evangelho deste domingo. Estamos na semana da paixão e morte de Jesus. Jesus já está em Jerusalém e ante a resolução dos judeus em recusarem a proposta de salvação que Deus lhes concede, Jesus profere um discurso de condenação aos líderes judaicos. O texto do evangelho que escutamos neste domingo é a introdução da invectiva de Jesus contra as autoridades judaicas.

O texto evangélico deste domingo refere-se em especial aos escribas e fariseus. Os escribas eram os especialistas da Sagrada Escritura e na sua maioria eram fariseus. Por sua vez, os fariseus eram crentes que desejavam conhecer e cumprir a lei de Deus, o que é um valor bom. No entanto, os fariseus pecavam pelo seu fundamentalismo legal, ou seja, por colocarem a lei acima do homem ao ponto de desprezarem o homem e de criarem consciências atormentadas pelo sentimento de pecado e de indignidade.

É ante esta actuação dos escribas e fariseus que Jesus faz quatro denúncias da actuação dos fariseus. Em primeiro lugar, acusa os fariseus de se sentarem na cadeira de Moisés, ou seja, de quererem ser a autoridade suprema na interpretação da lei de Deus, e assim afastarem, pela sua interpretação legalista da Escritura, o encontro entre Deus e o homem.

Em segundo lugar Jesus acusa os fariseus de serem incoerentes, de dizerem uma coisa e de não a fazerem. Além de mandarem fazer uma coisa e fazerem outra, os fariseus impunham, aos outros, obrigações muito pesadas. Na verdade, a sua interpretação legalista da Escritura mais não fazia do que apresentar um conjunto interminável de preceitos aos crentes que eram impossíveis de serem cumpridos na totalidade e criavam consciências atormentadas. É esta a terceira acusação de Jesus aos fariseus: atar fardos pesados, coloca-los aos ombros dos homens e não querer movê-los nem com um dedo.

A quarta e última acusação de Jesus aos fariseus refere-se à sua vaidade e ao facto de eles pretenderem fazer da sua fé um exibicionismo. Na verdade, a motivação que os leva a agir era a sua vaidade. Era a sua vaidade que os levava a sentarem-se nos primeiros lugares, a gostarem de serem saudados em público, a serem tratados por mestres e a alargarem os seus filactérios (pequenos relicários de couro que tinham rolos de pergaminho com textos da escritura e que se colocavam no braço esquerdo e sobre a mente mediante ligaduras) e a ampliar as borlas (franjas que eram colocadas nas quatro pontas do manto que os judeus usavam durante a oração).

Depois de apresentar estas quatro críticas aos escribas e fariseus, na segunda parte do evangelho de hoje, Jesus dá vários conselhos aos seus discípulos para não caírem no perigo do farisaísmo: não vos deixeis tratar por mestres; não chameis a ninguém Pai, não vos deixeis tratar por doutores e quem for o maior seja o vosso servo.

Assim sendo, da primeira leitura e do evangelho de hoje fica bem claro quais são as características que não podem estar presentes na vida daqueles que exercem alguma responsabilidade na comunidade. Quem está a frente da comunidade não pode perverter o culto e a lei de Deus por motivações pessoais, não deve fazer acepção de pessoas, não deve afastar com o seu legalismo o homem de Deus, não devem ser incoerentes e não devem ser vaidosos.

Mas se queremos um perfil em positivo daqueles que exercem alguma responsabilidade na comunidade basta-nos deter na segunda leitura deste domingo e considerar o exemplo de Paulo, o afecto maternal de Paulo na evangelização da comunidade: “como a mãe que acalenta os filhos”. É este o jeito terno, meigo e afectuoso de exercer o trabalho da evangelização. Não se pode anunciar o Evangelho de Jesus a não ser com ternura e amor. Além disto, o trabalho evangelizador tem de ser um trabalho gratuito e desinteressado. Só o amor pela causa do Evangelho, pelos irmãos deve levar-nos a anunciar o Evangelho. Na verdade, só com o amor à causa do Evangelho que se anuncia e aos irmãos a quem se anuncia é que se pode vencer todos os trabalhos e canseiras que se nos apresentam.

No entanto, a Liturgia da Palavra deste domingo não se limita a traçar o perfil daqueles que detêm alguma responsabilidade no seio da comunidade cristã. A epístola de Paulo aos tessalonicenses também nos refere qual é o acolhimento conveniente que devemos ter para com o anúncio do Evangelho. Devemos acolher o Evangelho como Palavra de Deus, uma palavra activa, e não só como palavra humana. Cada vez que escutamos a palavra de Deus, não nos podemos limitar a escuta-la, temos de saber acolhe-la na nossa vida e deixarmo-nos transformar por ela.

Que a celebração deste domingo nos ajude a acolher o Evangelho como palavra de Deus e que nos leve a anunciar o evangelho terna e gratuitamente e sem qualquer espécie de perversão, de acepção de pessoas, de hipocrisia e de vaidade.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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