Ano B – II Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: 1 Sam 3, 3b-10. 19;
Salmo: Sl 39, 2 e 4ab. 7-8a. 8b-9. 10-11;
2ª Leitura: 1 Cor 6, 13c-15a. 17-20;
Evangelho: Jo 1, 35-42.

 

A liturgia da Palavra deste domingo convida-nos a reflectir sobre o chamamento do Senhor e a resposta do homem a tal chamamento, ou seja, convida-nos a reflectir sobre a realidade da vocação. Quando ouvimos falar de vocação pensamos que ela é uma realidade exclusiva dos padres e religiosos(as). No entanto, isto é um grande equívoco. A todos o Senhor chama a segui-lo e a testemunha-lo. Todos os cristãos têm uma vocação. Todos nós, pelo nosso baptismo, somos chamados à santidade, somos chamados a seguir Jesus pelo mesmo caminho de cruz que Ele percorreu. Assim sendo, quer a primeira leitura quer o evangelho deste dia, são uma forte interpelação para todos a quem o Senhor chama a segui-lo pelo caminho da cruz: “Se alguém quiser seguir-Me, tome a sua cruz e siga-Me ” (Lc 9, 23).

A primeira leitura deste domingo é a vocação de Samuel. O relato da vocação do jovem Samuel é bastante conhecido uma vez que é um dos textos bíblicos que mais se costuma utilizar para reflectir sobre o que é a vocação. Com efeito, mais do que uma reportagem jornalística este texto é uma reflexão sobre a realidade da vocação, sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem.

Estamos numa época bastante complicada da história de Israel, estamos na fase pré-monárquica. Nesta época a infidelidade à lei era crescente e o fascínio pela monarquia, como solução dos problemas que o povo vivia, aumentava. Era um tempo onde a presença de Deus era raramente notada. No entanto, o Senhor não abandona o seu povo e continua a chamar pessoas para colaborarem com Ele na salvação do Seu Povo. Assim foi com Abraão, com Moisés e agora com Samuel.

O jovem Samuel foi o filho que Deus concedeu à estéril Ana depois da sua angustiosa mas confiante oração. Ana ofereceu este seu filho ao serviço do templo e é exactamente aí, no santuário de Silo onde se encontrava a arca da aliança, que Deus chama o Jovem para ser juiz e profeta do seu povo. O chamamento de Samuel marca o início do movimento profético.

O relato da vocação de Samuel oferece-nos a possibilidade de reflectir sobre algumas características da vocação. Em primeiro lugar chama-nos à atenção que a vocação é sempre iniciativa de Deus e que tal iniciativa escapa aos nossos critérios. Na verdade, é Deus que chama, é Deus que toma a iniciativa de chamar Samuel. E chama o jovem Samuel e não qualquer outro, que aos olhos humanos, poderia ser mais apto para a missão. Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os chamados.

Outra das características da realidade da vocação que este texto nos transmite prende-se com o facto da cena da vocação ocorrer de noite. Na verdade, diz assim o texto: “A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado”. Esta informação além de temporal também pode ser simbólica. Na verdade, a noite é a altura ideal para Deus falar porque termina o ruído das coisas, descansam os sentidos do corpo e se alertam os da alma. Talvez o texto nos queira alertar que às vezes nós andamos com tantos ruídos à nossa volta que não escutamos a voz de Deus. Muitas vezes andamos tão fascinados pelas e com as coisas do mundo que nos tornamos insensíveis a voz de Deus.

Um facto também digno de nota, para compreendermos melhor a realidade da vocação, é o do jovem Samuel se ter dirigido ao velho Eli. Na questão da vocação necessitamos sempre do conselho das pessoas mais experientes. Nem sempre as coisas são claras. Nem sempre sabemos com toda a segurança o que Deus nos pede, aquilo a que Deus nos chama. O diálogo com uma pessoa mais velha e experiente ajuda muito o discernimento vocacional. Foi graças à ajuda de Eli que Samuel descobriu que era o Senhor que o chamava e respondeu. O diálogo com os irmãos, muitas vezes, ajuda-nos a descobrir qual é a vontade de Deus e ajuda-nos a sensibilizarmo-nos para os desafios de Deus. Não devemos ter medo ou vergonha de falar, de dialogar sobre assuntos religiosos.

Termina o relato da vocação de Samuel com a resposta de Samuel: “Fala, SENHOR; o teu servo escuta!”. Com tal resposta Samuel não se limita a dizer que Deus pode falar que ele está a ouvi-lo. Na verdade, escutar, na bíblia, é mais do que ouvir. Escutar é acolher no coração e transformar o que se ouviu em compromisso de vida. Samuel não se limita a ouvir a Palavra de Deus mas compromete-se com tal Palavra. Assim também o nosso encontro com a Palavra de Deus não pode limitar-se a um encontro informativo mas performativo. A Palavra de Deus não existe só para nos informar mas para transformar a nossa vida na obediência a tal Palavra.

Da vocação dos primeiros discípulos também nos fala o evangelho deste domingo. Estamos na secção introdutória do evangelho de João. Nesta secção, o evangelista pretende responder à pergunta “quem é Jesus?”, ou seja, pretende apresentar quem é Jesus. Assim sendo e através da entrada em cena de diversas personagens apresenta-nos várias afirmações sobre a identidade de Jesus. No evangelho deste domingo, a personagem que nos ajuda a descobrir a verdadeira identidade de Jesus é João Baptista. Na verdade, é ele que afirma de Jesus “Eis o cordeiro de Deus” e é tal testemunho que leva os dois discípulos de João a seguirem Jesus. Assim sendo, este texto também nos fala da vocação dos primeiros discípulos, que segundo o evangelista João ocorreu nas margens do rio Jordão. Também este texto joanino nos ajuda a descobrir ou a relembrarmo-nos de algumas características importantes da vocação.

A primeira dela prende-se com o facto do seguimento ser motivado pelo testemunho de alguém. João afirma de Jesus: “Eis o cordeiro de Deus”. Densa afirmação teológica. Na verdade, no momento da Paixão, o evangelista João, ao colocar Jesus a morrer na hora em que os cordeiros para a ceia pascal eram sacrificados, mais uma vez nos apresenta Jesus como o verdadeiro cordeiro Pascal. É Jesus o enviado por Deus a salvar o seu Povo da escravidão do Pecado, é Jesus o enviado por Deus que vem realizar a Páscoa definitiva.

De tal afirmação de João Baptista, surge o seguimento dos seus dois discípulos. Eles caminham atrás de Jesus, seguem Jesus no caminho do amor fiel que o levará até à cruz. Mas também aqui a iniciativa é do Senhor. Na verdade, a um dado momento Jesus vira-se para trás e pergunta-lhes: “que procurais? ”. No entanto, esta pergunta do Senhor Jesus também nos recorda outra verdade fundamental da vocação. Com efeito, em todas as vocações há um momento de verdade: quais são as nossas expectativas e as nossas verdadeiras motivações? Na verdade, pode haver alguém que queira seguir Jesus por motivos errados, por valores bem diferentes dos anunciados por Jesus.

Depois de conhecer as motivações dos seus seguidores, Jesus convida-os a fazerem a experiência: “vinde ver”. Na verdade, só se descobre a vocação fazendo a experiência, experimentando o estilo de vida de Jesus. Tal experiência directa convenceu os discípulos. Na verdade, diz-nos o texto que eles ficaram nesse dia com Jesus. No entanto, a vocação não termina aqui. Depois disto: “André … foi procurar seu irmão e disse-lhe ‘encontramos o Messias’ … e levou-o a Jesus”. Na verdade, quem faz a experiência de Deus, descobre uma alegria tal que não a pode guardar só para si e por isso anuncia e convida outros para o encontro decisivo de todas as vidas. O testemunho do chamado desperta vocações.

Que a celebração deste domingo nos leve a tomar consciência da nossa vocação. Todos nós somos chamados por Deus. Será que realmente queremos ouvir a sua voz? Como estamos a responder ao seu chamamento? Sigo pela mesma estrada de Jesus? Quais são as minhas motivações? São estas algumas das perguntas incisivas que a liturgia deste domingo nos deixa.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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