Ano B – V Domingo de Páscoa

1ª Leitura: Act 9, 26-31;
Salmo: Sl 21, 26b-27. 28. 30. 31-32;
2ª Leitura: 1 Jo 3, 18-24;
Evangelho: Jo 15, 1-8.

 

Depois de termos escutado a liturgia da Palavra deste V Domingo da Páscoa, há um verbo que, devido à sua repetição por dez vezes, nos fica no ouvido. Refiro-me ao verbo permanecer que pode ser considerado a palavra-chave da liturgia da Palavra deste Domingo. O verbo permanecer em grego também significa habitar, ter em comum uma residência e experiência de vida. Assim sendo, o verbo permanecer transmite-nos uma ideia de intimidade, fidelidade, comunhão que nasce e se alimenta da reciprocidade e do diálogo. Em quem permanecer? Porque permanecer aí? Que consequências advêm, ou devem advir, dessa permanência? São estas algumas das perguntas que a liturgia deste V Domingo da Páscoa nos responde.

O evangelho deste Domingo é retirado do capítulo XV do evangelho de São João. Jesus, na véspera da sua Paixão e Morte de Cruz, reúne-se com os seus discípulos numa ceia de despedida. Todos os gestos e palavras de Jesus neste contexto são solenes porque nascem do amor de Jesus até ao extremo que o levará a entregar a sua vida na cruz.

O trecho do discurso de despedida de Jesus, uma espécie de testamento que Jesus na véspera da sua Paixão nos deixa, que escutamos no evangelho deste Domingo é o da alegoria da videira e dos ramos. A imagem da videira, adoptada por Jesus, possui profundas ressonâncias veterotestamentárias. Na verdade, a videira é o símbolo da prosperidade, da alegria messiânica e do Povo de Deus fiel e infiel. O Povo de Deus é considerado como a vinha que Deus plantou e cuidou mas que só produziu frutos de infidelidade. O próprio Jesus, noutros contextos, recorreu a este símbolo (cf. Mt 20, 16; Mt 21, 28-32; Mt 21, 33-44; Lc 13, 6-9).

No entanto, a forma como Jesus utiliza a imagem da vinha no texto de evangélico de hoje é uma novidade. Jesus apresenta-se como a verdadeira videira plantada por Deus, o agricultor. No entanto, o sentido colectivo da vinha não deixa de estar presente porque os discípulos de Jesus são apresentados como os ramos da videira. Esta é uma forma de evidenciar a realidade eclesiológica da Igreja como corpo de Cristo.

É neste contexto, que Jesus deixa a sua recomendação “Permanecei em Mim … Se alguém permanecer em mim dará muito fruto”. Assim como os ramos da videira necessitam de estar unidos a cepa para dela receberem a seiva e darem fruto, assim os cristãos devem viver uma vida de união com Cristo para produzirem os frutos da vida nova da graça. Se a fonte de vida e de fecundidade dos ramos está na cepa, a fonte de vida e de fecundidade dos cristãos está em Cristo. Assim sendo, todo o discípulo tem de permanecer, habitar, manter uma relação de comunhão com Cristo. Na verdade, sem Cristo nada podemos fazer. Sem Cristo desperdiçamos tempo, forças e oportunidades. Só mantendo uma relação de adesão, identificação e de comunhão com Cristo é que podemos dar fruto. Só permanecendo unidos a Cristo é que temos a vida em nós. Separados de Cristo podemos sobreviver mas não vivemos aquela vida com abundancia que Ele nos veio trazer. Uma vida separada de Cristo está condenada ao fracasso: “Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo e secará”.

Esta advertência de Jesus a todos nos deve levar a um sério exame de consciência. Na verdade, pode acontecer que, apesar de nos dizermos e considerarmos cristãos, as nossas atitudes e obras estejam enxertados noutros troncos que não o tronco de Cristo. Será que Cristo é verdadeiramente o tronco do qual as nossas palavras e acções recebem a sua seiva? Estamos verdadeiramente enraizados em Cristo?

Se formos verdadeiros, certamente reconheceremos que muitos dos nossos planos e muitas das nossas boas intenções falharam porque não estávamos enraizados em Cristo. Necessitamos de conversão, de mudança. Necessitamos que o Pai limpe os ramos que dão fruto para que dêem mais fruto. Necessitamos de ouvir a Palavra de Deus e deixar que essa Palavra nos limpe e nos transforme. Necessitamos de confrontar seriamente a nossa vida com a palavra de Deus e deixar que essa Palavra limpe os valores, palavras e atitudes que estão em contradição com a Palavra de Deus. Na verdade, só quando permanecemos em Cristo e que podemos dar fruto.

Mas como podemos saber que permanecemos em Deus? Que acções concretas nos podem indicar que estamos a viver unidos a Deus? Deixemos que a segunda leitura deste domingo, retirada da primeira epístola de São João, nos ajude a responder a estas interrogações. A primeira carta de São João é uma carta destinada as Igrejas da Ásia Menor e pretende ser uma ajuda para as comunidades cristãs que se deparavam com alguns erros doutrinais pré-gnósticos. Assim sendo, João pretende na sua carta oferecer aos cristãos uma síntese de fé que os ajude a superar os erros relativos à encarnação de Cristo e à vida moral das seitas heréticas.

O texto deste Domingo prende-se mais com a questão ética. Na verdade, se os hereges afirmavam que o primeiro e fundamental mandamento era o amor a Deus e isso levava-os a negligenciar o amor ao próximo, São João deixa bem claro que o mandamento de Deus não se limita ao amor a Deus mas também inclui o amor ao próximo: “É este o seu mandamento: acreditar no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como ele nos mandou.”

O amor a Deus e aos irmãos são as duas pernas com as quais os cristãos peregrinam neste mundo. Se falta uma delas, o amor a Deus ou o amor ao próximo, andamos a mancar. Além disto, não podemos dizer que conhecemos e que acreditamos em Jesus se não procedemos como Ele procedeu. Quem diz que acredita em Jesus, quem dá crédito a Jesus está a dar credito à sua mensagem e ao seu estilo de vida. Quem diz que acredita em Jesus deve proceder como Ele procedeu. Quem acredita em Jesus deve amar também os seus irmãos pelos quais Jesus entregou a sua vida na cruz.

No entanto, como nos recorda também o mesmo S. João, não devemos reduzir o nosso amor pelos irmãos a meras palavras. “Meus Filhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade”. O nosso amor pelos irmãos tem de se traduzir em gestos concretos, tão concretos quanto as necessidades concretas dos nossos irmãos. Como diz o ditado popular: “obras é que são amores, não as boas razões”.

É a vivência do amor que nos dá a certeza que estamos no caminho de Deus. A prova que permanecemos em Deus e Deus permanece em nós, a prova de uma vida de comunhão com Deus é o cumprimento dos mandamentos. “Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele”. O estilo de vida dos seguidores de Jesus, daqueles que estão unidos a cepa que é Cristo não pode ser diferente do estilo de vida de Jesus. Na verdade, a seiva que circula nessa videira é a seiva do amor total e sem limites.

Que a celebração deste domingo reforce a nossa união a Cristo, a verdadeira videira da qual nós somos os ramos. Na verdade, se não estivermos de verdade unidos a Cristo tudo o que fizermos é desperdício de tempo e de recursos. Só Cristo é a garantia da fecundidade. Só a seiva do amor total e sem limites que a cepa que é Cristo transmite aos ramos que somos nós nos leva a viver em plenitude o amor a Deus e aos irmãos. Sem Cristo, nada podemos fazer. Não temamos esta dependência. Na verdade, ela não nos debilita. É esta dependência a garantia da nossa vitalidade e fecundidade como discípulos.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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