Ano B – XXVII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: Gen 2, 18-24;
Salmo: Sl 127, 1-2. 3. 4-6;
2ª Leitura: Hebr 2, 9-11;
Evangelho: Mc 10, 2-16 ou Mc 10, 2-12.


A segunda leitura deste XXVII Domingo do Tempo Comum, retirada da Epístola aos Hebreus, recorda-nos o amor e a salvação que Deus nos oferece em Jesus Cristo.

A Epístola aos Hebreus é um escrito, de tom homilético, dirigido às comunidades cristãs que viviam num ambiente hostil à fé cristã e que levavam esses crentes a desanimarem e a seguirem doutrinas pouco ortodoxas. Neste contexto, o autor sagrado, através desta carta, pretende animar os crentes e ajuda-los a crescer na sua fé. Na primeira parte desta carta, parte a que pertence a segunda leitura deste dia, o autor sagrado refere-se ao mistério de Cristo (Encarnação, Paixão, Morte, Ressurreição e Glorificação) mostrando que Cristo é superior a todas as criaturas, incluindo os anjos.

No entanto, no início da segunda leitura deste dia afirma-se que “Jesus, por um pouco, foi inferior aos anjos”. Na verdade, como nos recorda o hino cristológico da carta aos Filipenses, “Cristo Jesus que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz” (Filip 2, 6-7). Jesus, ao encarnar-se, despojou-se das suas prerrogativas divinas e entregou a sua vida na cruz para que assim se cumprisse o plano amoroso e salvador de Deus a favor da humanidade: “Convinha … que Deus… querendo conduzir muitos filhos para a sua glória, levasse à glória perfeita pelo sofrimento, o Autor da Salvação”.

Recorda-nos assim, a segunda leitura deste dia, o projecto amoroso e salvador de Deus pelos homens que se realiza através de Jesus Cristo. Deus querendo oferecer a vida e a vida em abundância aos homens, “querendo conduzir muitos filhos para a sua glória”, enviou-nos Jesus. Pela sua encarnação, o Senhor Jesus fez-se homem e partilhou a nossa condição humana para ser nosso guia até à vida plena e feliz que Deus nos quer conceder. Jesus através do seu estilo de vida, que na cruz tem a sua máxima expressão, ensina-nos que só podemos chegar à vida plena e feliz através do amor que se entrega e que serve. Era conveniente que Jesus passa-se pela cruz para que assim nós aprendêssemos a viver como ele viveu e morreu: amando e entregando-se pelos e outros. Só este é o caminho que conduz à vida plena e feliz.

Sacramento do amor de Deus pelo seu povo, do amor de Cristo pela Igreja é a união matrimonial entre um homem e uma mulher que a primeira leitura e o evangelho deste dia nos falam. O amor que existe entre o esposo e a esposa deve ser, para todos quanto os vêem, imagem e reflexo do amor de Deus pelo seu povo, do amor de Cristo pela Igreja. 

No evangelho deste dia, Jesus segue o seu caminho em direcção a Jerusalém, ao monte calvário. Nesta caminhada, Jesus já deixou para trás a Galileia e agora está na região da Judeia, no território governado por Herodes Antipas que tinha martirizado João Baptista por este ter denunciado o facto de Herodes se ter casado com Herodíades, a esposa de seu irmão Filipe. Nesta região, Jesus volta-se a encontrar com as multidões e a ensinar-lhes. 

O texto evangélico começa por dizer-nos que “aproximaram-se de Jesus uns fariseus para o porem a prova e perguntaram-lhe: pode um homem repudiar a sua mulher?”. Os fariseus aproximam-se de Jesus não com a pureza de coração e de intenções e com o desejo de escutarem a palavra de Deus mas com a intenção de apanharem Jesus em falso e assim o poderem atacar. Na verdade, a questão que lhe colocaram era uma questão complicada. João Baptista pagou com a sua vida a repreensão que fez a Herodes por este ter deixado a sua esposa para se unir com a mulher de seu irmão. Além disto, mesmo dentro do judaísmo a questão do repúdio da esposa não era uma questão consensual. Apesar da lei de Israel permitir o divórcio, as escolas de interpretação da lei divergiam muito quanto aos motivos que poderiam levar o homem a rejeitar a sua esposa. Uma escola mais laxista dizia que até o motivo mais fútil, como a esposa ter cozinhado mal, era o suficiente para passar a carta de repúdio. Por sua vez, outra escola mais rigorosa dizia que só uma razão muito grave, por exemplo, o adultério, é que permitiria ao homem repudiar a sua esposa. 

Ante esta questão complicada, Jesus começa por recordar à lei. No entanto, Jesus não concorda com a posição da lei acerca do divórcio. Na verdade, como diz Jesus, Moisés deixou a lei do divórcio por causa da dureza do coração do homem. A lei do divórcio que Moisés deixou aparece assim não como o projecto de Deus sobre o matrimónio mas como algo que regula a vida matrimonial no âmbito da mediocridade humana. 

Depois de Jesus ter denunciado que o divórcio tem origem na dureza do coração do homem, Ele apela ao “princípio”, um princípio que mais cronológico é um princípio que é fundamento. Jesus recorda aquele texto do Genesis que escutávamos na primeira leitura deste domingo: “No princípio da criação Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne. Deste modo já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu”.

Jesus contrapõe à lei o projecto original de Deus que busca a igualdade dos conjugues, a união e a sua entrega total e duradoura. Jesus não vai em modas, nem em maiorias. O que para Ele conta é o projecto originário de Deus. E é exactamente esse projecto que Ele defende mesmo correndo risco de perder a vida pois, ao defender a impossibilidade do repúdio, estava a indirectamente a criticar o comportamento de Herodes e este podia mandar mata-lo como fez com João. 

No entanto, o que realmente conta para Jesus é o projecto primordial de Deus e é esse projecto que Jesus anuncia e defende. O que Deus quer é que o homem e a mulher se amem com um amor indissolúvel. Na verdade, homem e mulher foram criados um para o outro. Como nos recorda, a primeira leitura deste dia, o homem só se sentiu realizado e feliz quando encontrou a mulher, carne da sua carne e ossos dos seus ossos, igual a ele em dignidade. Assim sendo, o homem e a mulher foram criados um para o outro, para serem uma só carne, isto é, para se amarem, para se ajudarem e para se completarem, numa autêntica e real partilha e comunhão de vida, de sentimentos e de bens. 

Ninguém pode ser feliz sozinho e Adão, na primeira leitura de hoje, deixou isso bem claro. Ele só se sentiu feliz e realizado quando encontrou Eva. Na verdade, o homem não foi criado para viver sozinho mas em relação, no amor. E para Deus o amor é eterno, é para sempre. O amor com que Deus nos ama e o qual estamos chamados a construir e a viver na vida de casal é um amor total e sem méritos, um amor eterno, um amor fiel, um amor misericordioso, um amor que se gasta pelo outro. A separação é assim um fracasso no caminho do amor que não está previsto no plano de Deus. Deus criou-nos para sermos felizes e não podemos ser felizes sozinhos mas só vivendo na comunhão e no amor.

Os discípulos de Jesus têm dificuldade em aceitar esta mensagem de Jesus. No entanto, apresentam a sua dificuldade e as suas dúvidas a Jesus e este esclarece-os melhor. Também são muitos os que hoje, muitas vezes motivados por um amor-próprio exagerado e egoísta, tem dificuldades em aceitar esta mensagem de Jesus. No entanto, estas pessoas, muitas vezes, não têm a coragem que os discípulos tiveram de interrogar de Jesus sobre as suas dúvidas e ficam-se na mera crítica destrutiva de Jesus e da Igreja. 

Que a celebração da eucaristia deste domingo, lugar onde celebramos e experimentamos o amor de Deus, ajude os casais a amarem-se com um amor à medida de Deus, ou seja, um amor sem medida e total. Só amando o outro e renunciando aos nossos egoísmos é que podemos ser felizes.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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