“Faz-te ao largo, faz-te ao mar. O Mestre continua a chamar.” Pois bem, é neste chamamento e nesta confiança que Jesus quis que eu continuasse este caminho, mas desta vez pautado por passos ainda maiores. Durante o mês de Agosto os meus passos foram dados em Angola. Uma experiência de vida e para a vida, de entrega e doação onde se recebe mais do que aquilo que se dá. A missão que tinha abraçado consistia em levar a música até àquelas terras. Sendo a música a minha área de formação, a tarefa era a de transmitir para os outros aquilo que de melhor sei. Fiquei a residir na comunidade Passionista de Calumbo onde durante a manhã dava formação coral na nossa igreja paroquial de Calumbo e durante a tarde dava aulas de formação musical aos seminaristas na nossa casa.
Ir a Angola foi um enorme desafio com tudo o que isso implica para além do mais foi uma viagem feita sozinho. Aterrar naquelas terras foi como aterrar quase num novo mundo, numa outra realidade. Afinal aquelas imagens que nos mostram na escola, nos filmes ou documentários são verdade. Mas uma coisa é ver no papel ou ecrã, outra coisa é pisar aquele solo e ver com os nossos próprios olhos.
Conheci Calumbo com uma paisagem lindíssima acompanhada pelo rio Cuanza, vi aquelas pessoas a começar o dia bastante cedo já prontas para mais um dia de trabalho, as mães já de bacia na cabeça e as crianças a brincarem na rua descalças. Fiz o percurso de casa até à Igreja a pé, observei muitos olhares por verem uma pessoa estranha ali, mas ao mesmo tempo era saudado com um bom dia muito alegre e bem-disposto. Formou-se um grupo na paróquia bastante bom e com grande vontade de aprender. Sentia que aquelas pessoas queriam mesmo ali estar, queriam agarrar a oportunidade de terem uma oportunidade de crescerem mais. No percurso de regresso era acompanhado por algumas dessas pessoas e até já com algumas cantorias animadas daquilo que aprenderam minutos antes. Alguns deles não viviam em Calumbo e pagavam táxi para estarem na nossa Igreja comigo. Da parte da tarde estava acompanhado do grupo de seminaristas que se mostrou bastante participativo e recetivo em querer saber e aprender mais. Alguns já tinham conhecimentos musicais e, por isso, foi bastante oportuno para se aperfeiçoarem.
Pude estar no Santuário de S. José de Calumbo e ver aquela imensidão de pessoas, do tempo que ali ficavam a professar a sua fé, de estar com tempo, sem pressas. Aos domingos visitei as várias comunidades onde vamos celebrar a Eucaristia. Muitas igrejas de construção bastante frágil e delicada, mas isso era compensado com a enorme fé e devoção das pessoas que ali se reuniam em comunidade.
Esta missão coincidiu com partidas e regressos de vários religiosos Passionistas, ou seja, pude estar e conviver com quase todos os nossos Passionistas em Angola. Foi muito bom contactar com eles, sentir-me acompanhado e pôr a conversa em dia, afinal de contas era a primeira vez que eu ali estava. Conheci também os nossos quatro noviços angolanos que haviam terminado o noviciado na Tanzânia e estavam agora de volta às suas casas. Ainda houve tempo para celebrar a eucaristia com a sua participação através da partilha de testemunhos vocacionais e de um belo almoço para conviver e festejar este percurso por eles feito até então.
Ir a Angola foi, sem dúvida, uma experiência mais do que certa nesta minha caminhada enquanto postulante Passionista em formação. Foi muito importante para mim como pessoa poder viver esta missão. Conhecer outras terras, outras pessoas e perceber que há outra “realidade” à qual muita das vezes somos alheios. Em Angola vivem outras gentes com uma felicidade e um espírito de alegria contagiantes, que querem aprender e têm vontade em ser mais. Gente em que o menos é mais. Com o pouco que têm conseguem redobrar a sua felicidade. Por isso o momento de regressar, de certa forma custa. Claro que queremos vir para perto dos nossos, da família e amigos. Mas aquelas pessoas ficam lá, aquela alegria fica lá.
Não regresso igual, regresso mais pesado, pesado no coração com todo o amor e carinho recebidos daquelas pessoas. Meu Deus, como podem elas receber tão pouco e dar-nos tanto? Muita das vezes quem menos tem é quem mais dá.
Continua o cântico: “Eu queria ser daqueles que se dão, partir como Tiago ou João” e foi assim que, por entre a música, recebi muito mais do que aquilo que dei. À congregação Passionista, a minha profunda gratidão por viver tão bela experiência de vida.
Texto: Tiago Barros