Ano C – III Domingo de Páscoa

1ª Leitura: Act 5, 27b-32. 40b-41;
Salmo: Sl 29 (30), 2 e 4. 5-6. 11-12a e 13b;
2ª Leitura: Ap 5, 11-14;
Evangelho: Jo 21, 1-19 ou Jo 21, 1-14.

A Palavra de Deus proclamada neste III Domingo da Páscoa é um convite a reflectirmos sobre a actividade missionária da Igreja. Juntamente com o relato do testemunho dos Apóstolos ante o sinédrio (1ª leitura), a liturgia da Palavra deste Domingo também nos oferece o último capítulo do evangelho de João que é uma parábola sobre a missão da comunidade.

O texto evangélico deste Domingo é composto por duas partes. A primeira parte (Jo 21, 1-14) mostra-nos como o Ressuscitado se torna presente no quotidiano da comunidade e assegura a eficácia da sua missão. Por sua vez, a segunda parte do evangelho de hoje (Jo 21, 15-19), mostra como o Senhor Ressuscitado, apesar das nossas negações e traições, é capaz de com o seu amor nos reabilitar como suas testemunhas neste mundo. 

Começa o evangelho de hoje apresentando-nos um grupo de sete discípulos. Nestes sete discípulos estão englobados todos os discípulos de Cristo. Na verdade, o número sete é um número simbólico da totalidade. 

Estes sete discípulos, seguindo a iniciativa de Pedro, porque Pedro tem um lugar importante na comunidade, vão pescar. A pesca que se refere aqui tem também o seu simbolismo. Não nos podemos esquecer que o Senhor Jesus disse que a missão dos seus discípulos era a de serem pescadores de homens (Cf. Mc 1,17; Mt 4, 19; Lc 5, 10). A missão dos Apóstolos, à imagem da missão de Jesus, consiste em tirar os homens do mar do sofrimento e da escravidão em que vivem. Na mentalidade judaica, o mar era o lugar dos monstros, das forças e espíritos demoníacos que procuravam roubar a vida e a felicidade dos homens. Assim, a missão de Pedro e de todos os discípulos é a de tirar/libertar os homens do poder do mal e das forças da morte.

Contudo, esta pesca dos apóstolos é realizada na noite, na noite da ausência de Jesus, e por isso nada conseguem pescar. Já tinha advertido o Senhor: “Sem mim nada podeis fazer! ” (Jo 15, 5). É a sua presença que garante a eficácia da missão. Assim sendo, e apesar da sensação da longa noite da ausência de Jesus, não devemos perder a esperança, porque o Senhor Ressuscitado não nos abandona. Ele torna-se presente na nossa vida permitindo que a noite da ausência ceda o seu lugar ao romper da aurora de um novo dia e de um mundo novo.  

Com a presença do Senhor Ressuscitado e seguindo docilmente a sua palavra, a missão dos discípulos já não está condenada ao fracasso mas ao êxito. Porque Jesus está presente e porque os discípulos seguem as suas indicações, os discípulos executam a sua missão com êxito: pescam 153 grandes peixes (símbolo da totalidade da humanidade). Assim sendo, o texto deixa bem claro que o fracasso e o êxito da missão não se devem ao simples e mero esforço humano mas à presença e à Palavra do Senhor Ressuscitado. 

No entanto, esta presença do Senhor Ressuscitado é uma presença diferente. Jesus não se torna presente no barco onde os discípulos estão a pescar mas em terra. Ele não abandona a sua comunidade mas no hoje concreto da história é a comunidade cristã, são os discípulos de Jesus os continuadores da sua missão.

Outro aspecto importante da primeira parte do evangelho deste Domingo é o facto de o discípulo predilecto, modelo de todos os discípulos de Jesus, ter reconhecido a presença do Senhor Jesus ao ver o êxito da pesca. Todos nós temos muito que caminhar para sermos mais parecidos com este discípulo amado do evangelho que é capaz de reconhecer a presença do Senhor Ressuscitado nos acontecimentos da sua vida. O Senhor Ressuscitado não nos abandona e torna-se presente nas nossas vidas. Será que somos capazes de reconhecer, à imagem do discípulo predilecto, a presença do Ressuscitado na simplicidade e banalidade do nosso dia-a-dia? 

A segunda parte do evangelho deste Domingo apresenta-nos o belo diálogo do Senhor Ressuscitado com Pedro. Diálogo esse onde queda restabelecida a relação de amor entre Pedro e Jesus e onde o Senhor confia a Pedro a missão de apascentar o seu rebanho. Jesus, por três vezes, pergunta a Pedro se o ama e, depois de obter uma resposta positiva, confia-lhe o cuidado das suas ovelhas. 

Encontramos, nesta triple pergunta, um claro paralelo às três negações de Pedro na noite da Paixão. A relação de amor entre Pedro e Jesus foi quebrada pelo pecado e tem de ser restaurada. No entanto, tal reconciliação não é iniciativa de Pedro mas de Jesus. É Jesus que vem em busca da ovelha perdida.
Começa o texto com a interrogação de Jesus a Pedro, que se repete três vezes: “Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?”  
Jesus volta a chamar Pedro de “Simão, filho de João”. Só há outro caso em que Jesus se dirige a Pedro desta maneira: quando Jesus impõe o nome a Pedro (cf. Jo 1, 42). Assim sendo, podemos concluir que, neste texto, se está a falar de uma nova vocação/missão de Pedro. Jesus vai confiar a Pedro a missão de apascentar o seu rebanho.

No entanto, para que Pedro possa exercer tal missão tem de responder a uma questão: “tu amas-Me?” Para Pedro apascentar as ovelhas, que não são suas mas do Bom Pastor, tem de entrar pela porta do aprisco que é Jesus (Cf. Jo 10), tem que estar e viver numa comunhão de amor com Jesus.

Por isso a pregunta que Jesus faz a Pedro é uma pregunta sobre o amor. E Jesus não utiliza um termo qualquer para interrogar Pedro sobre o amor. Jesus utiliza o verbo agapâs me, ou seja, Jesus pregunta a Pedro se o ama com um amor divino, profundo e intelectual. 

Podemos destacar também, a expressão “mais do que estes” da pergunta de Jesus. Na verdade, o pronome “estes” pode referir-se aos outros discípulos que nesse momento estavam com Pedro mas também se pode referir a estas coisas, ou seja, o seu trabalho de pescador. Assim sendo, nesta pergunta, Jesus pode estar a pedir a Pedro que deixe a sua vida habitual de pescador e dedique-se exclusivamente à missão do pastoreio do rebanho. 

Segundo o texto litúrgico, Pedro respondeu à pergunta de Jesus da seguinte forma: “Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo”. No entanto, o verbo grego que na resposta de Pedro é traduzido por amar não é o mesmo verbo que aparece na pergunta de Jesus. Se Jesus pergunta por um amor divino, profundo e intelectual, Pedro responde com um amor de simples amizade (filô se). Esta diferença de verbos mostra que Pedro já se conhece bem e que deixou de ser orgulhoso. Não temos aqui a resposta soberba que Pedro deu a Jesus na última ceia (cf. Mt 26, 36). A resposta de Pedro demonstra a consciência da sua debilidade e do seu fracasso mas também a sua vontade de, na sua debilidade, amar Jesus até ao fim.  

Contentar-se-á Jesus com o amor de simples amizade de Pedro? Sim, contenta-se. Na verdade, na terceira pergunta de Jesus a Pedro, Jesus já não utiliza o verbo do amor divino e profundo mas o verbo da amizade. E é a este Pedro débil a quem Jesus confia o seu rebanho e a quem convida ao seguimento, um seguimento até ao fim, até dar a sua vida por Ele. E é este Pedro, restabelecido no amor e encarregue da missão de apascentar o rebanho de Jesus, que vemos na primeira leitura deste Domingo a anunciar a morte e a ressurreição de Jesus e a enfrentar todos os perigos, porque “deve obedecer-se antes a Deus que aos homens.”

Que a celebração deste Domingo, onde Jesus na eucaristia, à imagem do ocorrido no evangelho, parte o pão que é o seu corpo e no-lo entrega, nos ajude a descobrir a sua presença na nossa vida e a reestabelecer a nossa comunhão de amor com Ele rompida pelas nossas negações, traições e pecados.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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