Salmo: Sl 18, 8. 9. 10. 11;
2ª Leitura: 1 Cor 1, 22-25;
Evangelho: Jo 2, 13-25.
No caminho do Povo de Deus em direcção à terra prometida, depois da libertação da escravidão do Egipto, Deus concede ao Povo, no Sinai, os 10 mandamentos, as 10 palavras. Tais mandamentos não pretendem ser uma limitação da liberdade individual mas sim um caminho de liberdade e de felicidade. O Deus que libertou o povo da escravidão do Egipto quer continuar a libertar o seu povo de uma escravidão mais pesada e mais angustiante: a escravidão do pecado. Enunciação dos 10 mandamentos ou das 10 palavras é a primeira leitura deste domingo retirada do livro do Êxodo. Este texto do livro do Êxodo pertence a secção da aliança entre Deus e o Povo. Tal aliança é apresentada através dos formulários jurídicos que eram utilizados, no tempo em que este texto foi escrito, para apresentar os acordos políticos entre o senhor e os vassalos.
A motivar as cláusulas da aliança está a acção benéfica e generosa do senhor para com o seu vassalo. Só depois de apresentar esta acção benigna do senhor com o seu vassalo é que são enumeradas as cláusulas da aliança, as obrigações que o servo devia cumprir com fidelidade.
No presente texto, a recordação dos benefícios de Deus corresponde à recordação da experiência fundante do êxodo, da libertação da escravidão do Egipto e as obrigações correspondem aos 10 mandamentos, ao coração da aliança de Deus com o seu povo. Dividem-se estes 10 mandamentos em dois grandes grupos: os que se referem à nossa correcta relação com Deus (“não terás outros deuses … não farás para ti qualquer imagem esculpida … não adorarás outros deuses … Não invocarás em vão o nome do Senhor … lembrar-te-ás do dia de sábado”) e os que se referem à nossa correcta relação com o próximo (“honra pai e mãe … não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não levantarás falso testemunho … Não cobiçaras”). Recordam-nos estas duas dimensões dos mandamentos, que a verdadeira religiosidade dos crentes é aquela que mantém unidos e sem dicotomias o amor a Deus e o amor ao próximo.
Os mandamentos aparecem assim como a resposta do Povo de Deus à libertação da escravidão do Egipto. Pelos mandamentos o homem segue um caminho de libertação da escravidão do pecado. Os mandamentos de Deus não são limitações da liberdade humana mas caminho de libertação e de felicidade. Assim sendo, o interesse de Deus, o que Deus quer ao estabelecer a aliança com o seu povo é que o Povo seja livre e feliz. Os 10 mandamentos mais que uma série de obrigações morais são um diálogo onde Deus e o homem.
A segunda leitura deste domingo é retirada da epístola do apóstolo Paulo aos coríntios e recorda-nos aquilo que realmente importa e conta: “quanto a nós pregamos Cristo Crucificado”. A comunidade cristã de Corinto, fundada pelo apóstolo Paulo por volta do ano 50, era uma comunidade cristã que se empenhava seriamente em seguir a Cristo. No entanto, esta comunidade estava exposta aos perigos do seu entorno religioso (paganismo) e cultural (valores antievangélicos). Devido a esta situação, vários valores antievangélicos tentaram entrar, disfarçados de cristianismo, na comunidade de Corinto. Um dos problemas que a comunidade enfrentava e que Paulo teve de resolver era o de considerarem o cristianismo como uma escola de filosofia e as várias personagens importantes do cristianismo como mestres de diferentes escolas. Começou-se a dar mais importância aos pregadores que a mensagem anunciada e isto originou divisões na comunidade. Paulo vê-se na necessidade de corrigir esta situação e para isso recorre a Cristo e a Cristo Crucificado. Na verdade, é isto e só isto que interessa (deve interessar) aos cristãos. É o Senhor Crucificado que está no centro do anúncio cristão e não a busca da sabedoria dos gregos e dos milagres espectaculares dos judeus. O anúncio fundamental do cristianismo é o do Senhor Crucificado, daquele Jesus que seguiu o caminho da Cruz por amor de Deus e dos irmãos e não o caminho da vaidade e da vanglória da sabedoria e dos poderes extraordinários. Assim sendo, os cristãos, a exemplo do Senhor Crucificado, devem seguir o caminho da cruz, o caminho do amor e da fidelidade total a Deus e aos irmãos, e não o caminho da vaidade, da vanglória, de querer ser melhor do que os outros.
O texto evangélico deste domingo, retirado do evangelho de São João, narra-nos a chamada “expulsão dos vendilhões do tempo”. Este trecho pertence à secção introdutória do evangelho de João que pretende ser uma apresentação da pessoa e do ministério de Jesus. Esta cena evangélica decorre no templo de Jerusalém, na altura da Páscoa. Esta é a primeira das três Páscoas da vida pública de Jesus, segundo o evangelista João.
Jesus encontra-se no templo de Jerusalém, no grandioso templo construído por Herodes e ainda em fase de acabamentos. Na altura da Páscoa, o templo de Jerusalém era um lugar muitíssimo concorrido. Na verdade, cerca de 125000 peregrinos vinham a Jerusalém na altura da Páscoa e cerca de 18000 cordeiros pascais eram sacrificados no templo. Tudo isto estimulava o comércio ligado ao templo que estava nas mãos do sumo-sacerdote. Era o sumo-sacerdote que ficava com o dinheiro que os comerciantes tinham de pagar para poderem vender à volta do templo e muitas das tendas dos comerciantes pertenciam à própria família do sumo-sacerdote. Assim sendo, na altura em que Jesus vai ao templo de Jerusalém encontra-o repleto de peregrinos, de comerciantes com animais destinados aos sacrifícios e de cambistas que trocavam as moedas romanas com a imagem do imperador que as tornavas impuras por outras que eram consideradas válidas para pagar o imposto para o templo.
Ante esta situação, Jesus movido pelo zelo, expulsa os vendilhões do templo com um chicote e, interrogado pelos judeus, faz uma solene declaração: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”. Estas duas acções de Jesus têm um significado profundo.
Ao expulsar os vendilhões do templo Jesus está a afirmar que é o messias e que os tempos messiânicos já chegaram. Na verdade, se os profetas criticavam duramente os sacrifícios que se ofereciam no templo por serem um conjunto de ritos estéreis e sem significado, o profeta Zacarias ligou o dia do Senhor, o dia da intervenção de Deus na nossa história, com a purificação do culto e com a não existência de comerciantes no templo de Jerusalém. Além disto, ao expulsar não só os comerciantes mas também os animais que serviam para o sacrifício, Jesus não propõe uma reforma mas a abolição do culto prestado a Deus no templo de Jerusalém, porque esse culto era fonte de injustiça e de exploração.
Interrogado sobre a autoridade com que fazia tal acção, Jesus responde com uma resposta estranha e recorrendo a técnica do mal-entendido: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”. Ajuda-nos a resolver este mal-entendido a anotação final do evangelista: “Jesus porém falava do templo do seu corpo. Por isso quando ressuscitou dos mortos, os discípulos lembraram-se do que tinha dito”. Jesus afirma que é o novo templo. O templo é o lugar da presença e da revelação de Deus. Ao afirmar que é o novo templo, Jesus está a afirmar que é nele que Deus está presente em meio ao seu povo e se revela. A reedificação do templo depois de três dias é uma referência à ressurreição. A ressurreição é a prova que Jesus tem a autoridade para proceder do modo como procedeu.
Todos nós pelo baptismo tornamo-nos templos de Deus. Não será que o templo de Deus que somos nós está repleto de vendilhões? Que nesta quaresma deixemos que o Senhor venha até nós com o chicote da sua Palavra e expulse os vendilhões que nos habitam. Que com Jesus e pelo caminho dos mandamentos, nesta quaresma, arrumemos a nossa casa, o templo de Deus que somos nós, para celebrarmos jubilosamente a Páscoa.
P. Nuno Ventura Martinsmissionário passionista