Seminário da Santa Cruz dos Missionários Passionistas
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Santa Maria da Feira, Portugal
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Ano B – IV Domingo da Quaresma

1ª Leitura: 2 Cr 36, 14-16. 19-23;
Salmo: Sl 136, 1-2. 3. 4-5. 6;
2ª Leitura: Ef 2, 4-10;
Evangelho: Jo 3, 14-21.


A liturgia da Palavra deste IV Domingo da Quaresma coloca-nos diante do amor de Deus, um amor gratuito e salvífico que tem a sua máxima expressão na cruz de Cristo.

A primeira leitura deste domingo é retirada do segundo livro das Crónicas. Os livros das Crónicas apresentam-se como a história do povo de Deus, desde a criação do mundo até ao exílio na Babilónia. No entanto, esta obra atribuída a Esdras não se limita a enumerar os factos acontecidos. Os livros das Crónicas, mais que uma descrição pormenorizada ou análise política dos factos narrados, oferecem-nos uma interpretação teológica da história e as consequências que dai advém. É na história que o povo vai fazendo a sua experiência de Deus, experiência essa que muitas vezes é de negação (pecado) e outras tantas de salvação. A leitura deste dia pertence à parte final do segundo livro das Crónicas e aborda o exílio para a Babilónia, o desterro na Babilónia e o regresso dos exilados à terra prometida.

O autor sagrado, partindo de uma concepção que via a vida e a felicidade como a consequência lógica da fidelidade às leis do Senhor e a morte e infidelidade como a consequência da má conduta e do pecado do povo, apresenta o exílio e o desterro na Babilónia como o resultado do povo ter multiplicado as suas infidelidades, ter profanado o templo do Senhor e ter desprezado os profetas que o Senhor lhes tinha enviado para os advertir dos seus maus caminhos. Foi o seu pecado, a sua negação de Deus que conduziu o povo ao desterro na Babilónia.

No entanto, o castigo não é a última palavra. A última palavra é a salvação. Deus é fiel à sua aliança e não esquece nem abandona o seu povo. Deus não abandona o seu povo nas suas dificuldades. Na verdade, a primeira leitura deste dia termina com a evocação da libertação operada por Ciro e com a autorização dos exilados regressarem à sua terra.

É esta a maneira comum de Deus agir com o seu povo: continuar a amar o seu povo apesar do seu pecado e oferecer-lhe gratuitamente à salvação. Desta forma de ser de Deus nos fala a segunda leitura deste Domingo retirada da Epistola do Apóstolo Paulo aos Efésios que é uma reflexão amadurecida e síntese da teologia do Apóstolo Paulo. O trecho proposto para este dia pertence à parte dogmática da carta e apresenta-nos o papel de Cristo na obra da salvação.

Começa o Apóstolo por referir que Deus é misericordioso e nos ama. Na verdade, no início da salvação não estão as nossas boas obras mas o amor de Deus. A salvação não é algo que conquistamos mas algo que Deus, por amor e gratuitamente, nos oferece em Cristo. Na verdade, como nos recorda o Apóstolo: “é pela graça que fostes salvos, por meio da fé. A salvação não vem de vós: é dom de Deus”. Na verdade, nós estávamos e tantas vezes ainda podemos estar numa situação de morte por causa dos nossos pecados. E é exactamente aí que Deus vem ao nosso encontro, em Cristo Jesus, e nos ressuscita, nos devolve a vida, nos salva. O amor de Deus é um amor gratuito que vai a procura do homem morto pelo seu pecado e que encontrando-o restitui-o à vida gratuitamente em Cristo. O amor de Deus é sem condições. Ele não está à espera das nossas boas obras para nos salvar. Se a salvação se devesse às nossas boas obras o orgulho poderia existir. No entanto, e uma vez que o amor de Deus é incondicional, nos não nos podemos gloriar em nós mesmos. O nosso motivo de glória é Deus. Foi Ele que nos amou de forma gratuita e nos salvou dos nossos pecados e da nossa situação de morte. A esta oferta de salvação que Deus nos concedeu em Cristo nós só podemos responder com as boas obras que não são condições mas consequências da salvação divina.

Convida-nos também a meditar na oferta de salvação que Deus concede ao mundo em Cristo Jesus, o evangelho deste Domingo: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho unigénito, para que todo o Homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna”.

O texto evangélico deste dia situa-se na secção introdutória do evangelho de João, onde o evangelista pretende apresentar e dizer quem é Jesus. Mais precisamente, esta passagem é a terceira parte do diálogo de Jesus com Nicodemos. Nicodemos, um dos chefes dos judeus, vai de noite, para não se comprometer muito, ter com Jesus e ambos estabelecem um diálogo. Depois de Jesus ter dito a Nicodemos que não basta reconhecer a sua autoridade mas que é necessário reconhecer que Ele é o enviado de Deus e que há que nascer de novo pela água e pelo espírito para entender a sua proposta, Jesus começa a falar do projecto da salvação divina que se realiza nele, mais precisamente no facto desse projecto passar pela cruz.

Neste texto joanino podemos encontrar duas ressonâncias veterotestamentárias. A primeira delas é mais clara é refere-se ao episódio da serpente de bronze elevada no deserto por Moisés que encontramos no livro dos Números. Na verdade, Jesus, no início do Evangelho deste dia começa por afirmar: “Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do Homem será elevado, para que todo aquele que nele acredita tenha a vida eterna”. A serpente de bronze elevada por Moisés no deserto foi um instrumento de salvação porque todos aqueles que eram mordidos, ao olharem para a serpente de bronze, eram curados. A serpente de bronze levantada sobre um poste, através da qual Deus dá vida e protege o seu povo das forças destruidoras, traduz a vontade divina de dar vida ao homem e é uma prefiguração da força salvífica que se derrama da cruz de Cristo. Na verdade, ao contemplarmos a cruz de Cristo descobrimos o mal de que padecemos e o remédio que necessitamos. Descobrimos o pecado e o mal que nos habita mas também descobrimos o amor de Deus por cada um de nós: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito”.

A outra ressonância veterotestamentaria, mais velada, que encontramos neste texto é a do sacrifício de Isaac que a liturgia do II Domingo da Quaresma nos apresentava como primeira leitura. Na verdade, podemos ver na expressão “Filho único” uma referência ao sacrifício de Isaac. Isaac é apresentado como o filho único de Abraão. Deus poupou a vida de Isaac. No entanto, por amor dos homens e para sua salvação, Deus entrega o seu Filho único. Isaac que porta a lenha para o sacrifício é uma prefiguração de Cristo que carrega a cruz em direcção do calvário. Deus amou tanto os homens que entregou o seu único Filho à morte e morte de Cruz. E esta entrega que Deus faz do Seu Filho ao mundo não tem uma intenção negativa mas positiva. Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo mas para salvá-lo. Jesus é a oferta de salvação, de vida plena e com qualidade que Deus nos oferece.

A esta oferta de amor, o homem é chamado a dar uma resposta. O homem pode acreditar ou não acreditar. Este acreditar não se reduz a um mero exercício intelectual. Acreditar não é só a aceitação de uma verdade mas a adesão a uma pessoa. Acreditar é dar crédito a alguém. Somos chamados e convidados a acreditar não em coisas mas numa pessoa: Cristo. Se acreditamos em Cristo, se aderimos a Cristo encontramos a salvação porque o seu caminho de amor e de dádiva torna-se o nosso caminho e só por este caminho chegamos à salvação e à felicidade. Se não acreditamos em Cristo, não aderimos a Ele e não seguimos os seus caminhos mas os caminhos do ódio, da mentira, da destruição e da morte que nos levam à condenação e à infelicidade.

A salvação é um dom que Deus nos oferece. Cabe-nos aceita-la e vive-la ou rejeita-la. E esta escolha é uma escolha que se faz todos os dias. Todos os dias, nos nossos dilemas, somos chamados a dizer se acreditamos ou não acreditamos em Cristo.

Que a celebração deste IV Domingo da Quaresma nos ajude a descobrir a verdade, antiga mas sempre nova, que Deus nos ama e nos oferece a salvação e que nós, na nossa liberdade, somos chamados a aceitar a salvação oferecida.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista