Seminário da Santa Cruz dos Missionários Passionistas
Avenida Fortunato Meneres, 47
Santa Maria da Feira, Portugal
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Ano C – XIII Domingo do Tempo Comum

1ª Leitura: 1 Reis 19, 16b. 19-21;
Salmo: Sl15 (16), 1-2a e 5. 7-8. 9-10. 11;
2ª Leitura: Gal 5, 1. 13-18;
Evangelho: Lc 9, 51-62.

O evangelho deste domingo é um texto importante no evangelho de Lucas. Na verdade, começa, com os seguintes versículos deste texto, a segunda parte do Evangelho de Lucas: “aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém e mandou mensageiros à sua frente ”. O texto grego destes versículos é mais interpelante que a sua tradução litúrgica. Na verdade, no texto grego lemos que “ao cumprirem-se os dias da Sua ascensão endureceu o semblante (to prósopon estérisen)”. O cardeal e biblista Martini, referindo-se a este verbo, afirmou o seguinte: “o verbo estérisen (tornou forte, estabeleceu irrevogavelmente) indica a direcção precisa do Seu caminho e, portanto, a transição a uma fase mais radical do seu propósito. Até esse momento tinha-se manifestado como um homem cheio de fascínio, capaz de pronunciar palavras encantadoras de bondade, de misericórdia, de humildade e de cura. Agora endurece o rosto para explicar aos discípulos que, se continuarem decididos a segui-lo, atraídos pela sua personalidade, têm de conhecer as condições deste seguimento radical” (Martini). 

Assim sendo, podemos concluir que o evangelho deste domingo é um texto importante do evangelho de Lucas pois inicia o caminho de Jesus para Jerusalém, para o Gólgota. No entanto, este caminho não é um simples e mero caminho geográfico. Este caminho é acima de tudo um caminho teológico e espiritual que visa ensinar aos discípulos os caminhos do reino e revelar-lhes o verdadeiro rosto de Deus. O caminho que Jesus inicia neste momento é o caminho da cruz, o caminho que o conduz até ao monte calvário. Ao percorrer este caminho de cruz Jesus exorta os seus discípulos a seguirem pelo mesmo caminho. 
Prova deste itinerário espiritual que Jesus convida os seus discípulos a fazerem enquanto caminham para Jerusalém são os restantes versículos do evangelho deste domingo que nos revelam quatro exigências de Jesus àqueles que o pretendem seguir. 

A primeira exigência de Jesus é a de recusarem a intolerância e a violência. Na verdade, ante a recusa dos samaritanos em receber Jesus, Tiago e João afirmam: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?”, ou seja, Tiago e João querem responder à rejeição e hostilidade dos samaritanos com um castigo violento.  Ante a proposta de Tiago e João, Jesus repreende-os. Na verdade, o caminho de Jesus é o caminho da cruz, do amor, da vida que se entrega e não da violência. Assim sendo, ao ódio do mundo Jesus e os seus discípulos não podem responder com mais ódio e violência mas com o dom da vida. Ainda hoje em alguns ambientes cristãos parece que se defende acerrimamente o castigo divino para aqueles que se recusam a aderir a Jesus. No entanto, tal atitude está nas antípodas do comportamento de Jesus. Mais que querer o castigo daqueles que se recusam a acreditar e rejeitam Jesus devemos continuar a esforçarmo-nos e a gastar as nossas existências para que também eles adiram ao reino. 

As seguintes três exigências que Jesus faz àqueles que o querem seguir, pelo caminho que ele próprio está a seguir, depreendem-se dos diálogos que Jesus mantem com três os candidatos a seus discípulos.

O primeiro desses diálogos é iniciado por alguém que se coloca na disponibilidade de seguir Jesus: “seguir-Te-ei para onde quer que fores”. No entanto, Jesus, diante de tão boa vontade adverte: “as raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Com efeito, para seguir o Senhor Jesus não basta a boa intenção mas é necessário saber despojar-se das preocupações materiais e sair da toca e do ninho. “A toca e o ninho são entendidos como a vontade de permanecer no seio materno e em tudo o que ele representa […] O homem tem dificuldade em aceitar sair do útero, traumatiza-se e, consequentemente, permanece sempre tentado a fazer outro ninho, outro ambiente protegido […] Esta atitude está hoje particularmente difundida: os adolescentes e os jovens, apesar da crise da família, não se aventuram a desprender-se dela nem se decidirem por opções definitivas […] Queríamos seguir Jesus para onde Ele nos quisesse levar, mas, de facto, mantivemo-nos agarrados aos projectos ideais que nós próprios fabricamos” (Martini). Seguir Jesus exige que saibamos renunciar às nossas seguranças, exige que arrisquemos e nos lancemos para diante. Se um pássaro estiver preso ao seu ninho jamais aprenderá a voar. Quanta infelicidade hoje em dia porque não sabemos cortar amarras. 

O segundo diálogo é uma interpelação de Jesus a um outro: “segue-Me”. Ante a interpelação de Jesus, o indivíduo limita-se a pedir que o deixe ir sepultar o seu pai. No entanto, Jesus responde: “deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, vai anunciar o reino de Deus”. Jesus exige àqueles que o querem seguir que renunciem aos deveres e obrigações que impedem um seguimento imediato e radical. “Quando o mos [costume] ancestral, isto é, os idola tribus [os ídolos da tribo] se tornam pretexto contra a novidade do Reino, tornam-se destruidores. O bom senso comum não é suficiente para seguir verdadeiramente Jesus. […] ‘Deixa que os mortos enterrem os seus mortos’, porque se não deixares o teu pai, não te tornarás adulto, não chegarás a ser homem livre. Se permaneceres ligado às tradições familiares, utilizando-as como escudo face à radicalidade da fé, caminharás em direcção à morte, permanecerás escravo, deixarás secar as raízes da planta do seguimento” (Martini).

O terceiro e último diálogo de Jesus com um outro que se colocou na disponibilidade de segui-lo só com a condição de se ir despedir da sua família revelam a quarta exigência de Jesus aos seus seguidores: “quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus”. Diante da importância do seguimento, Jesus convida a renunciar à família. “Neste símbolo [da família] podemos ler o culto ao próprio tecido histórico pessoal: amizades, vivências e acontecimentos. É um culto que cresce com os anos […] Uma fé não suficientemente enraizada acolhe o Evangelho como uma coisa sobreposta, acrescentada, como uma realidade capaz de embelezar e de enobrecer a história pessoal; não consegue descer até ao fundo das águas baptismais, não quer tomar consciência de que a história do homem está ligada a estruturas de pecado, ao passo que Deus tenta realizar coisas novas sobre a terra. Portanto, a referência à história pode ser justa, conforme o senso comum, mas é destruidora se se realizar contra o chamamento evangélico. Se olhares para trás depois de teres lançado mão ao arado, se ao volante do teu carro voltares a olhar para a casa que deixaste, quer dizer que o teu coração não foi conquistado pelo Senhor Jesus, que não é movido unicamente pelo desejo de o seguir” (Martini). Quando nos colocamos na disponibilidade de seguir Jesus devemos renunciar a tudo, até à nossa família e à nossa própria história.

Concluímos então do evangelho deste domingo que para seguir bem o Senhor Jesus temos de ser pessoas verdadeiramente livres, livres de nós mesmos. Esta liberdade, como nos dizia o Apóstolo Paulo, na segunda leitura, é um dom de Cristo. É o próprio Cristo que, através do Seu Espírito, nos ajuda a libertamo-nos daquilo que nos impede de o seguir. É a vida nova que recebemos de Cristo que nos ajuda a libertar da pior escravidão que é a escravidão de nós próprios. Ser livre não é fazer o que nos apetece. A verdadeira liberdade é a do amor que sabe renunciar a si próprio e servir os outros: “não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros”. E não nos esqueçamos que a liberdade é um dom precioso mas frágil. Assim sendo, devemos esforçarmo-nos para não nos tornarmos escravos dos desejos da carne que sempre nos assaltam e nos querem aprisionar. 

Que a celebração deste Domingo a todos nos ajude a seguir em liberdade o Senhor Jesus no seu caminho de Ascensão em direcção a Jerusalém.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista