No decorrer dos últimos domingos, através da leitura do Evangelho de Lucas, temos acompanhado Jesus no seu caminho em direcção a Jerusalém onde fará o dom total de si para a salvação do mundo.
Nesta sua caminhada Jesus vai formando os seus discípulos. Foram várias e exigentes as propostas que Jesus foi apresentando: o desprendimento da família, dos bens e das próprias ideias; o amor compassivo; a oração; o amor misericordioso; o esforço por entrar pela porta estreita, entre outros. Ante esta situação, os discípulos reconhecem que seguir Jesus é fonte de verdadeira felicidade mas também reconhecem que é difícil e exigente. Por tudo isto os discípulos pedem a Jesus: “Senhor aumenta a nossa fé”.
Estranho pedido para nós que concebemos a fé como um simples assentimento nocional de certas verdades.
A fé, para a mentalidade semita, mais que acreditar em dogmas é uma atitude de confiança, de adesão. A palavra fé em hebraico tem a mesma raiz que a nossa resposta de crentes “Amém”. Assim sendo, a fé é uma resposta de confiança a alguém sobre o qual construímos a nossa existência. A fé é uma atitude existencial em que o homem entra em relação com Deus confiando nele e agindo em função daquilo que acredita.
É por isso que os discípulos, neste seu processo de formação na escola de Jesus, pedem-lhe que aumente a sua fé. Os discípulos sabem que só vivendo na confiança e na fidelidade à palavra de Jesus é que podem ser fieis as suas propostas de vida e ir antecipando assim nesta terra o Reino porque tanto esperam.
Assim sendo, o pedido dos discípulos já revela alguma fé nos discípulos. Eles reconhecem que sozinhos nada podem fazer e por isso pedem a Jesus que os ajude neste seu caminho de discipulado.
No entanto, também Jesus reconhece que no que se refere à fé, àquela confiança em Deus que dá forças e que me tira a necessidade de ir buscar seguranças noutras coisas, os discípulos ainda tem muito caminhar pois “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia”. É um dito hiperbólico este de Jesus mas que demonstra bem a força que a fé possui.
Se a nossa fé como um grão de mostarda, uma das coisas mais pequeninas que existem, mesmo assim conseguiríamos ter a força necessária para operar a transformação neste mundo. Podemo-nos perguntar: se há tanta gente que diz que tem fé (84,5 % da população portuguesa se diz católica) como é que o nosso mundo está tão longe do Reino de Deus, daquele mundo que todos sonhamos e que Jesus nos oferece como dom e tarefa?
Talvez também nós tenhamos de pedir a Jesus que aumente a nossa fé, que aumente a nossa confiança na sua pessoa e na sua palavra e que nos ajude a viver de acordo com a fé que professamos.
Porque é difícil vivermos neste mundo em consonância com a nossa fé. São vários os obstáculos que se nos colocam ao nosso caminho de fé. Um desses obstáculos é a presença do mal e do sofrimento.
Quantas vezes não fazemos a mesma pergunta que o profeta Habacuc fez a Deus e que escutamos na primeira leitura desta celebração: “Até quando, Senhor, chamarei por Vós e não Me ouvis? Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação?” Habacuc viveu num tempo de grande crise de fé. Estamos nas vésperas do exílio da Babilónia, um dos momentos mais complicados para a fé do Povo de Israel. O Deus que libertou o povo da escravidão do Egipto parece que o abandonou às mãos dos seus inimigos. As injustiças e os jogos políticos que se estabelecem parecem conduzir e chegarão a conduzir o povo ao exílio. Ante esta situação, Deus, por intermédio do profeta, convida-nos à fé, à fidelidade: “o justo viverá pela sua fidelidade”. Onde tudo parece ausência e negação de Deus, Deus convida-nos a viver na fidelidade à sua Palavra e à sua presença. É este o caminho da salvação e da vida. Deus não fica indiferente ante o mal do mundo. Também Jesus sentiu o abandono de Deus na Cruz, mas Deus não o abandonou como o comprova a Sua Ressurreição no Domingo de Páscoa.
Porque é difícil viver em coerência com a fé é que devemos reanimar o dom de Deus. É esta a recomendação que na segunda leitura deste domingo, o Apostolo Paulo faz a Timóteo: “Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos”. Esta carta, endereçada a Timóteo, colaborador de Paulo na animação das Igrejas da Ásia, foi escrita numa época em que começavam a surgir os primeiros erros doutrinais sobre Jesus. Tal situação, juntamente com as dificuldades e canseiras inerentes ao ministério apostólico, pode conduzir ao desânimo. Ante esta situação Paulo exorta o seu colaborador a reanimar o Dom de Deus que recebeu pela imposição das mãos que o tornou participe no ministério Apostólico.
Este conselho do Apostolo Paulo também é dirigido hoje a nós. É dirigido de uma forma especial a todos aqueles que pela imposição das mãos no Sacramento da ordem são Sacramentos de Cristo Pastor mas também é dirigido a todos os baptizados.
Ao pedido que fazemos ao Senhor: “Senhor aumenta a nossa fé” responde-nos Paulo “Reanima o dom de Deus”.
O baptismo é a nossa identidade. Pelo baptismo participamos no mistério Pascal de Cristo. A resposta a cada pergunta da profissão de fé baptismal e consequente imersão nas águas baptismais manifestam a nova criação que acontece pelo baptismo: pelo baptismo morremos para o pecado e vivemos para Deus. É pelo Baptismo que somos inseridos na Igreja como membros de Cristo Sacerdote, profeta e Rei.
Todos os domingos, quando nos reunimos para celebrar a ressurreição do Senhor, professamos a nossa fé baptismal, renovamos as nossas promessas baptismais. A Profissão de Fé na eucaristia dominical, juntamente com a celebração dos Sacramentos, a leitura e escuta da Palavra de Deus e a oração pessoal são meios que temos para reanimar a nossa fé frágil que tantas vezes é submetida a duras provas.
Que a nossa profissão de fé seja verdadeiramente uma oportunidade para renovarmos a nossa confiança plena em Deus e a nossa adesão a Ele e seja um compromisso de vivermos em conformidade com a nossa fé.
P. Nuno Ventura Martins
missionário passionista
Uma resposta
Uma partilha ilucidativa, realística, actual e animadora. Vai ao encontro das preocupações do nosso supremo pastor, o papa, quando ele pede que não sejemos superficiais; não siguemos o politicamente correcto ao interpretar ou partilhar a palavra de Deus. Jesus foi duro nas palavras quando era momento para isso, não temos que florear.
A reflexão foi de muito proveito para mim, pena a minha fé não ser se quer a milésima parte do grão de mostarda!