Foram dez os que forma curados mas só um é que se salvou!
O evangelho deste XXVIII Domingo do Tempo Comum apresenta-nos o episódio dos 10 leprosos que são curados por Jesus.
Para a mentalidade semita a lepra não se limita a uma doença física. Esta enfermidade é vista pela teologia de Israel como um castigo de Deus para certos pecados graves. Assim sendo, o leproso é um impuro e por isso não pode participar nas acções rituais e nem sequer entrar na cidade Santa de Jerusalém para não a tornar impura. Além desta exclusão ritual, a lepra também produzia a exclusão social. As úlceras provocadas por esta doença repelem e causam impressão. Além disto, havia, nesta altura, o medo do contágio. É daqui que provém a dura legislação do Levítico (Lv 13-14) em caso de lepra: os leprosos deviam afastar-se de qualquer de qualquer convívio humano para não contagiarem ninguém por causa da sua impureza física e religiosa. Esta legislação estava mais preocupada em proteger os outros do contágio do que ajudar os necessitados e por isso era fonte de exclusão social. Os leprosos eram excluídos da vida social e ritual. No entanto, esta legislação também determinava o que se devia fazer no caso da cura da lepra: o recuperado deve apresentar-se ao sacerdote para ele, depois de o examinar e dar a sua opinião, o reintegrar na vida social e cultual.
É no âmbito desta legislação que podemos entender melhor o episódio evangélico que nos é proposto neste domingo. A cura dos 10 leprosos é um episódio excluído de Lucas, o evangelista por excelência da misericórdia e da salvação.
São 10 os leprosos que se apresentam a Jesus. São 10 para indicar a totalidade. Na verdade, o judaísmo afirma que é necessária a presença de 10 homens para haver oração comunitária. Também nós podemos estar e estamos certamente inseridos neste grupo. Podemos não sofrer de lepra em sentido físico mas certamente que a lepra do pecado também nos deixa úlceras que nos impedem a relação com Deus e com os outros. Não nos podemos esquecer que acima de tudo o pecado é um corte na relação de amor com Deus, com o próximo e connosco próprio que o amor gratuito e salvador de Deus é capaz de recuperar. Além disso, também nós podemos sofrer como os leprosos da exclusão social por parte dos outros.
E são estes 10 leprosos que ao longe, por causa da exclusão social e cultual que a lepra produz, imploram a compaixão de Jesus: “Jesus, Mestre, Tem compaixão de nós!” Reconhecem que a situação em que vivem é má e fonte de infelicidade mas também reconhecem que Jesus, rosto do Deus misericordioso e compassivo, os pode acolher e curar. Gritam no meio dos seus problemas mas o seu grito não é de desespero porque sabem a quem gritam. Há alguém que escuta o seu grito. O seu grito é uma oração de súplica. Também nós, muitas vezes gritamos por causa da lepra que sofremos e por causa da exclusão que ela pressupõe. Como é o nosso grito? É um grito de desespero ou é um grito dirigido a alguém que nos escuta e é compassivo (pois não podemos pedir por compaixão a alguém que não seja compassivo)? No seu peregrinar terreno, também Jesus gritou. Jesus na cruz gritou: “Meu Deus, Meu Deus porque me abandonaste?” Não gritou como forma de desespero e protesto. Gritando Jesus rezou e mostrou a sua confiança em Deus porque só gritamos a alguém quando sabemos que esse alguém nos ouve.
E Jesus ouve o grito destes marginalizados. Não só os ouve mas também os vê. E não deixa o seu pedido, manifestado pelo grito mas também pela sua aparência física, sem resposta. “Ide mostrar-vos aos sacerdotes.” Estranha resposta de Jesus. Esperávamos algo de mais concreto. Esperávamos um milagre espectacular que os curasse. No entanto, Jesus manda-os em direcção àqueles que oficialmente os deviam considerar curados e reintegra-los na vida social e cultual. Jesus ordena que eles iniciem um caminho. Que estará Jesus a indicar com isto? A cura da lepra do nosso pecado não é algo que acontece de forma mágica e repentina mas é um caminho que se faz.
E os leprosos confiando na palavra de Jesus põe-se a caminho. Acontece que quando estavam a caminho ficam curados. A atitude de confiança no meio das incertezas em Jesus mostra os seus frutos: a lepra deixou-os. Quanto temos a aprender com esta atitude dos leprosos: eles obedecem à palavra de Jesus e põe-se a caminho. E porque se põe a caminho obedecendo ao mandato estranho de Jesus ficam curados. Também a nós o Senhor nos pede a confiança na sua Palavra no meio das nossas vicissitudes diárias. No entanto, nós, muitas vezes, não temos a confiança necessária em Jesus e, abandonando o caminho que o Senhor nos apresenta, entregamo-nos a diferentes subterfúgios.
Chegamos agora ao ponto central do episódio narrado por São Lucas neste domingo: “Um deles ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz (gritando)”. Mais do que realçar a cura da lepra por parte de Jesus, São Lucas, neste trecho evangélico, quer ressaltar a ingratidão que podemos ter com Deus: “Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outro nove?” E este facto é mais sublinhado pelo facto de só um dos dez e ainda por cima samaritano (considerado pelos Judeus um infiel a Deus) ter voltado para dar graças a Deus.
Como nos parecemos nós com os ingratos nove leprosos curados. Sabemos gritar a pedir ajuda mas não sabemos gritar a agradecer os bens concedidos. Este episódio evangélico convida-nos a pensar como é a nossa oração. Pedimos tanto como agradecemos? Não serão as nossas orações uma longa lista de pedidos? Quantas vezes agradecemos a Deus os bens que Ele nos concede?
Apesar de todos os 10 leprosos terem sido curados, só aquele Samaritano, que voltou atrás para agradecer a Jesus o dom da cura, é que se salvou: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou.” Foram dez os curados mas só um é que se salvou. É um aviso para todos nós. A todos nós o Senhor nos concede o seu amor. Como respondemos a esse amor: com gratidão e fé ou com uma atitude de auto-suficiência e de ingratidão?
A Salvação, a vida em plenitude e em abundância, só se recebe quando nos abrimos ao Deus Amor e lhe respondemos com a nossa fé agradecida. A Salvação é Dom que se recebe agradecidamente e não algo que conquistamos com a nossa auto-suficiência.
P. Nuno Ventura Martins
missionário passionista