“GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS QUE ELE AMA”
(Lc 2 ,14)A este cântico evangélico foram acrescentadas, desde o século II algumas aclamações a Deus, “Te louvamos, Te bendizemos”, algum tempo mais tarde foram acrescentadas uma série de invocações a Cristo: “Senhor Deus, cordeiro de Deus…”. Assim ampliado, o texto foi introduzido, primeiro na Missa de Natal e depois em todas as Missas dos dias festivos.
Assim, o ” Glória” cantado ou recitado no início da Eucaristia tornou-se quase como uma proclamação do Natal presente em cada Eucaristia, a significar a continuidade vital entre o nascimento e a morte de Cristo, a Sua Encarnação e o Mistério Pascal.
A Aclamação Angélica é composta de dois membros, no qual os elementos se correspondem entre si, em perfeito paralelismo. Temos três grupos de termos de contraste entre eles: glória – e paz; a Deus – aos homens; no alto dos céus – na terra.
Trata-se duma proclamação no indicativo, não no optativo; os anjos proclamam uma notícia, não exprimem só um desejo. O verbo que se subintende não é “haja”, mas sim “é”: não “ haja paz”, mas “é paz”. Eles declaram que com o Nascimento do Menino que aconteceu, em Belém, realiza-se a glória de Deus e a paz para os homens. “Hoje a verdadeira paz desceu do céu para nós” (recorda-nos o cântico de entrada da Missa da noite de Natal).
“Glória” (doxa) não indica só a glória e o esplendor divino, mas principalmente essa glória, esplendor e beleza que se manifesta no agir do homem. É o encanto, a glória de Deus que se vê em nós, que se deve manifestar em cada palavra e em cada gesto meu. Que belo compromisso de Natal!
“Paz” (eirene), segundo a Bíblia, são todos os bens messiânicos que se esperam: o perdão dos pecados, o dom do Espírito, a paz, a bênção, a felicidade… O termo está muito próximo de “graça”. É muito mais que a ausência de guerra. É a salvação, uma relação próxima e filial com Deus. A paz é o próprio Cristo: ”Ele é, de facto, a nossa paz” (Ef. 2, 14). Eu sou “paz”, ”dom”, felicidade e “graça” para cada irmão, para todo o irmão?
“Beneplácito” (eudokia) que é a surgente de todos estes bens e o motivo do agir de Deus, que é o seu amor. No passado traduzia-se como “boa vontade”, pensando nos homens de “boa vontade”, foi assim que entrou no cântico do Glória. Depois do Vaticano II, entendem-se todos estes, como os homens honestos, que procuram o bem e a verdade, crentes ou não.
Na tradução bíblica mais correcta são os “ homens amados de Deus”, os “homens queridos de Deus”, os homens que são objecto da boa vontade de Deus. Se a paz fosse dada aos homens pela sua boa vontade, seria muito limitada, e limitada a poucos. Não, ela é oferecida a todos.
Natal não é o anúncio da boa vontade dos homens, mas o anúncio radioso da boa vontade de Deus para todos. “Manifestou-se a bondade de Deus e o seu amor pelos homens” (Tito 3,4).
Na Encarnação, Deus manifestou-nos o Seu amor, não dando-nos coisas, mas dando-se a Si mesmo. É esta a Kenosi da Encarnação, é o total despojamento de si mesmo que o Filho realizou, no assumir a condição de servo.
Só depois de contemplarmos a “boa vontade de Deus” para connosco, podemos olhar para a “boa vontade” dos homens, isto é, da nossa resposta ao mistério do Natal. Isto deve exprimir-se através da imitação do mistério do agir de Deus. A imitação é esta: Deus fez consistir a sua Glória em amar-nos, no renunciar à Sua glória por amor, para nós sermos glorificados. Também nós temos de fazer o mesmo, diz-nos Paulo: “Fazei-vos imitadores de Deus como filhos caríssimos e caminhai no amor” (Ef 5, 1-2).
Imitar o mistério da Encarnação que celebramos significa abandonar todas as injustiças, vinganças, ressentimentos, barreiras que nos dividem ou separam, seja de quem for, é não admitir sentimentos hostis contra ninguém. É constituir esse mundo novo, que que todos queremos, mas que tem de ser criado por todos.
Imitar a Encarnação é dar-se, é descer para que o outro apareça, é despojar-se de qualquer mania, ou tentação de grandeza ou de aparecer, é fazer-se pequenino, como o Deus Menino, escondido no “estábulo de Belém”, para que cada irmão seja glorificado, elevado.
«Claro que, celebrar o amor de Deus, manifestado na Encarnação, e mais ainda nos tempos difíceis que vivemos, é não esquecer os pobres materiais, que cada dia são mais pobres e em maior número: “vêm aos bandos…”, como diz o poeta. Temo-los à nossa beira: família sem trabalho, sem casa, sem pão para os filhos e sem saber o que vai ser amanhã: “vêm aos bandos…” e cada dia os “bandos de pobres” são mais e maiores.
Como nos sentimos impotentes perante este mundo de pobreza que alastra e que mata, como o pior dos tumores! Dói ver aqueles milhares, melhor, milhões de pessoas que em Angola vivem sem nada: “andam aos bandos…” de milhares de milhares, a lutar pela sobrevivência, a viver o hoje, como podem, porque não sabem se amanhã ainda vivem. Dizemos que mesmo assim são pessoas alegres, mas se as olharmos bem nos olhos, vemos rostos tristes, sofredores, gente sem casa, sem pão, sem água, sem nada…, gente crucificada. Vemos neles, como nos diz S. Paulo da Cruz, “o rosto de Jesus”, mas eu acrescentaria do “Crucificado”, que certamente é o sentido da frase do nosso Santo Fundador.
O Natal convida-nos a olhar para o Menino de Belém e vermos Nele todo este nosso mundo de miséria que nos desafia a lutar, com todas as nossas forças, para que estas pobrezas vão desaparecendo da face da terra, porque são más, desumanizadoras, não são queridas por Deus, mas sim fruto das injustiças dos homens, da corrupção de alguns e da indiferença da maioria». (Mensagem que escrevi no Natal de 2008).
Toda esta pobreza, que em 2008 eu centralizei mais em Angola, nas áreas das nossas missões, continua hoje com a mesma actualidade. Infelizmente, agora está também mais visível à nossa porta. Apesar de tudo, a pobreza de cá não deve fazer esquecer a miséria de lá, nem a miséria de lá fazer esquecer os muitos e cada vez mais pobres de cá. O mal é sempre mal, seja aonde for. O Natal, é um grito de Deus contra toda a miséria humana.
Nesta Noite Santa de Natal, quero desejar a cada um dos Religiosos, às suas Famílias, a toda a Família Passionista Laical e a todos os nossos Colaboradores um Santo e Feliz Natal. Que o Menino Deus, seja acolhido e acarinhado, em cada irmão da comunidade, da família e da nossa sociedade, como o foi, por Nossa Senhora, no “estábulo” de Belém e cantemos-Lhe com alegria e amor, como cantaram os anjos naquela Santa Noite de Belém: “GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E PAZ NA TERRA AOS HOMENS QUE ELE AMA”.
P. Laureano Alves Pereira,
Superior Provincial