Seminário da Santa Cruz dos Missionários Passionistas
Avenida Fortunato Meneres, 47
Santa Maria da Feira, Portugal
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Ano A – Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria no II Domingo do Advento

1ª Leitura: Gen 3, 9-15. 20;
Salmo: Sal 97, 1. 2-3ab. 3cd-4;
2ª Leitura: Rom 15, 4-9;
Evangelho: Lc 1, 26-38.

Neste II Domingo do Advento, segunda etapa do nosso caminho de preparação para a vinda do Senhor, somos convidados, através da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, a celebrar e a meditar como Deus ao longo dos tempos foi preparando a vinda de Jesus. Na verdade, como rezamos na oração colecta deste dia, Deus pela Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria preparou uma digna morada para o seu Filho. Além disto, a presente Solenidade também nos convida a acolhermos o Senhor que vem e a dizermos o nosso sim ao projecto salvífico de Deus, à imagem da Virgem de Nazaré. Assim, a Solenidade da Imaculada Conceição é uma verdadeira festa de Advento que nos ajuda a preparar a visita Salvadora de Deus. 

O dogma da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria que professa que Nossa Senhora foi concebida sem pecado original em virtude dos méritos futuros da redenção de Cristo, foi definido solenemente pelo Papa Pio IX, depois de ter consultado os bispos de todo mundo, no dia 8 de Dezembro de 1854, através da bula Ineffabilis Deus. 

A Imaculada conceição da Virgem Santa Maria é uma das quatro verdades de fé, um dos quatro dogmas que a Igreja, professa acerca de Nossa Senhora e através dela acerca de Cristo e do Homem. Na verdade, se os dois primeiros dogmas marianos (maternidade divina e virgindade), surgidos nos primeiros séculos, afirmam uma verdade sobre Cristo (Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem), os últimos dogmas marianos (Imaculada Conceição e Assunção), definidos nos séculos XIX e XX respectivamente, afirmam uma verdade antropológica em chave teológica. Concretamente, o dogma da Imaculada Conceição, reagindo contra a ideia de um homem árbitro absoluto do seu destino e artífice único do próprio progresso, é a afirmação do primado absoluto de Deus na história da redenção que se manifesta de uma forma especial na história de Maria. O homem só por si não é capaz de salvar-se, não é capaz de atingir a felicidade e uma vida com qualidade. “Sem a graça divina, a razão e a liberdade humanas permanecem irremediavelmente fechadas em si mesmas, envolvidas por sombras e desejos de uma humanidade pecadora. ” (Nota Pastoral dos Bispos Portugueses: “Na celebração do 150º aniversário da definição dogmática da Imaculada Conceição”).

Apesar da definição dogmática da Imaculada Conceição ser tardia, já há muito tempo que, quer os teólogos quer o povo cristão, professavam a sua fé, devoção e afecto à Virgem Imaculada. Exemplo concreto desta devoção é o povo português que tem na Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria a sua padroeira principal. Com efeito, “no Calendário de Salisbury, adoptado pelo primeiro bispo de Lisboa reconquistada, Gilberto Hastings (1147-1166), já figurava a referência ao mistério de Maria Imaculada. À medida que Portugal se consolidava e se expandia pelo mundo, a veneração e devoção à sua Senhora ia aumentando. No século XVII, o culto de Maria, no Mistério da sua Imaculada Conceição, fazia parte da cultura nacional. Sinais disso, entre muitos outros, são: a consagração de Portugal a Maria Imaculada, a entrega da coroa real à imagem da Senhora da Conceição de Vila Viçosa, pelo Rei D. João IV, e o juramento a que se obrigou o corpo docente da Universidade de Coimbra – de defender e ensinar que Maria fora concebida sem pecado” (Nota Pastoral dos Bispos Portugueses).

Já que, como cristãos e como portugueses, temos na Virgem Imaculada a nossa padroeira, a Nossa Senhora, apresentemos a Deus por sua intercessão todas as nossas esperanças, angústias e problemas mas também aprendamos dela e com ela a dizermos sim aos desafios que Deus nos faz. 

É a dizer sim aos apelos e à vontade de Deus que nos ensina, através da contraposição entre Adão e Eva e Maria de Nazaré, a liturgia da Palavra deste dia.

A primeira leitura, retirada do livro do Genesis, não é uma página de história ou de um manual de ciências da natureza mas é uma reflexão sapiencial que diz a verdade sobre a origem da vida e do mal. Os primeiros capítulos do livro do Génesis ensinam-nos que na origem da vida está Deus e na origem do mal estão as opções erradas do homem, o seu pecado. O grande dom da liberdade que o Deus criador concede ao homem, se mal utilizado, converte-se num instrumento de devastação e sofrimento, como nos demonstra a leitura veterotestamentária deste dia. Ao comerem o fruto do conhecimento do bem e do mal, Adão e Eva querem tornar-se deuses, querem por eles próprios decidir o que é bem e o que é mal. Ao escolherem tal caminho, a sua relação com Deus, com os outros e com a criação altera-se. Deus deixa de ser visto como alguém que cria e cuida e passa a ser visto como alguém terrível de quem se tem de fugir. O outro não é mais alguém em que eu posso confiar totalmente. O outro passa a ser um meio para alcançar os meus fins e por isso para me desculpar eu acuso-o. O mundo, no qual eu devia viver em comunhão com Deus, torna-se o lugar em que me escondo de Deus. A raiz de todo o pecado e consequentemente de todo o mal e sofrimento reside no facto do homem, na sua liberdade tantas vezes ferida e tentada por serpentes camufladas, dizer não ao projecto de Deus. Deus actua neste contexto não como alguém que castiga mas como alguém que revela a alteração provocada pelo mau uso da liberdade humana. A única sanção de Deus é sobre a serpente. É ela que é maldita e não o homem e a mulher. 

Bem diferente, de Adão e Eva que disseram não ao projecto de Deus foi a Virgem Maria que ante o desafio de Deus se coloca como a “serva do Senhor”, como podemos constatar no episódio evangélico deste dia. Ante o pecado, a infelicidade e o sofrimento do mundo Deus só pode dizer “façamos redenção” (Santo Inácio). Contudo, para redimir o mundo Deus tem de encarnar e para encarnar necessita do sim de Maria. O relato da anunciação demonstra que Deus necessita da criatura para fazer-se Emanuel, Deus connosco. 

O evangelho deste dia é o relato da vocação de Maria. O arcanjo Gabriel visita Maria trazendo-lhe uma proposta de Deus: ser a mãe do Messias prometido e esperado. Ante tal proposta, a resposta de Maria, apesar de começar com uma aparente objecção, termina com a disponibilidade total: “Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Maria reconhece a sua pequenez mas também reconhece que Deus a escolheu e a chamou para uma missão especial e, ao contrário de Adão e Eva, diz sim aos planos de Deus e desse sim surge a vida e salvação para toda a humanidade. “Segundo o testemunho de Lucas, a maternidade de Maria implicou um acto livre de fé, mais decisivo para a história pública da salvação do que a fé de Abraão ou a Aliança do Sinai … A jovem de Nazaré abriu caminho à salvação de todos por um acto de desprendimento pessoal: uma resposta arriscada, mas livre e graciosa, ao apelo de Deus para ser Mãe do Salvador. A resposta nasceu de um chamamento, cuja radicalidade e liberdade plena, no caso especial de Maria, a fé cristã assinala, fazendo-as remontar ao primeiro momento da sua existência, o momento da sua Conceição Imaculada”. (Nota Pastoral dos Bispos Portugueses).

A Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria deve levar-nos a fazer um sério exame de consciência sobre a resposta que estamos a dar ao projecto de Deus. Estou a colaborar para que a visita salvadora de Deus seja uma realidade na minha vida e nas minhas relações ou estou a colocar entraves e objecções ao projecto de Deus? A fé e o amor de Maria Imaculada foram o terreno onde floresceu a surpresa e a salvação de Deus. Juntamente com Maria, renovemos neste dia a nossa disponibilidade para colaborarmos com o projecto salvífico de Deus, sabendo que isto não é só obra humana mas acima de tudo acção da graça divina em nós. A vela que hoje devemos acender é a vela da disponibilidade e da docilidade aos planos de Deus. Só assim é que faremos verdadeira caminhada de Advento. Só assim preparamos a vinda do Senhor.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista