Ano B – IV Domingo de Páscoa

1ª Leitura: Act 4, 8-12;
Salmo: Sl 117, 1 e 8-9. 21-23. 26 e 28cd e 29;
2ª Leitura: 1 Jo 3, 1-2;
Evangelho: Jo 10, 11-18.

O quarto domingo de Páscoa é conhecido como o domingo do bom pastor. Isto acontece porque o evangelho deste domingo é retirado do capítulo 10 do evangelista São João onde se encontra o discurso do bom, melhor dizendo, do belo pastor. 

No entanto, falar, hoje em dia, de pastor parece anacrónico e descontextualizado. A grande maioria de nós nunca viu um rebanho com o seu pastor a não ser na televisão ou através de alguma imagem. Numa sociedade industrial e com grande concentração urbana a imagem do pastor e do seu rebanho é uma imagem bucólica e não suscita em nós as ressonâncias pastorícias e bíblicas que deveria suscitar. Assim sendo, torna-se necessário, para compreendermos melhor o texto evangélico, indicar alguns dados. 

O pastor não é só aquele que guia e conduz o rebanho. A função de guia não separa mas une o pastor à sorte do rebanho. O pastor é um companheiro de viagem que partilha com as suas ovelhas a sede, as longas caminhadas em busca dos melhores pastos, o calor do sol e as noites frias. O pastor é aquele que se sacrifica pelas suas ovelhas. O pastor é aquele que arrisca a sua vida pelas ovelhas. 

Além deste elemento pastoril, existe um outro elemento teológico que no Antigo Testamento caracteriza o pastor. Na verdade, o Antigo Testamento aplica a imagem do pastor aos chefes, ao rei e a Deus. No contexto assírio-babilónico, o rei era considerado um pastor investido por Deus e o seu governo era visto como o acto de apascentar o rebanho. No Antigo Testamento também encontramos alusões a imagem do bom pastor. O próprio Deus é designado como o Pastor de Israel (cf. Sl 23). Esta designação plasmou a piedade de Israel e tornou-se uma mensagem de consolação e de confiança sobretudo nos períodos de calamidades de Israel. 

No entanto, o texto veterotestamentário que mais influenciou o trecho evangélico de hoje foi Ezequiel 33-34. Neste texto, Deus promete ao seu povo, exilado na Babilónia e vítima de tantos líderes que foram maus pastores, que Ele próprio assumirá a condução do seu povo e colocará à frente do povo o Messias, o bom pastor.   

O contexto em que o discurso do bom pastor aparece no evangelho de São João também não deixa de ser esclarecedor. O discurso do bom pastor surge depois da polémica entre Jesus e alguns líderes judaicos, resultante da cura do cego de nascença (Jo 9, 1-41). Estes líderes, especialmente os fariseus, impediam o povo de aceder a qualquer possibilidade de vida e de libertação. Estes líderes não eram verdadeiros pastores pois só se preocupavam consigo próprios e não serviam mas serviam-se do povo para os seus interesses. 

O evangelho deste domingo começa com a clara afirmação de Jesus: “Eu sou o bom/belo pastor”. O termo grego que é traduzido, no texto litúrgico, por bom quer dizer literalmente belo e expressa a plenitude do bem, do belo, do justo e do amor. Na verdade, para a mentalidade oriental a beleza, a bondade, o encanto, a verdade e a generosidade fundem-se numa única realidade. Ao fazer tal afirmação Jesus está-se a apresentar como o messias, como o pastor, prometido por Deus em Ezequiel, que apascentaria o povo. 

No entanto, o texto evangélico de hoje não se limita a afirmar que Jesus é o belo pastor mas também apresenta a missão desse belo pastor. Para descrever a sua missão e a sua forma de actuar, Jesus recorre ao paralelismo com o mercenário. Se o mercenário cuida do rebanho só por interesse económico e quando sente que o perigo se aproxima abandona o rebanho e foge, bem diferente é o comportamento do pastor. Na verdade, o pastor quando vê o lobo a aproximar-se, quando sente que a vida das suas ovelhas estão em perigo, não as abandona mas “dá a vida pelas suas ovelhas”. O belo pastor é aquele que dá a sua vida para que o seu rebanho tenha vida. Assim sendo, não nos é difícil reconhecer que o nosso belo pastor é o Senhor Crucificado. Na verdade, foi Ele que entregou a sua vida para nos salvar. E tal dádiva da sua vida para que nos tenhamos vida insere-se no projecto do Pai e não é uma facticidade a que Jesus é sujeito. Ninguém lhe tira a vida é Ele que a dá livremente e por fidelidade e amor a Deus e aos irmãos: “Dou a minha vida …ninguém ma tira, sou eu que a dou espontaneamente … foi este o mandamento que recebi de meu Pai”. 

Outra das características do belo pastor e do seu rebanho é o conhecimento íntimo que os une. E tal conhecimento é tão intimo que Jesus chega a compara-lo com o conhecimento que existe entre o Pai e o Filho. “Eu sou o bom pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, do mesmo modo que o Pai me conhece e eu conheço o Pai”. Conhecer na mentalidade bíblica não se reduz a uma mera actividade intelectual. Conhecer, na Sagrada Escritura, envolve a mente, o coração, a paixão, o afecto, a vontade, a inteligência e a acção. Ao dizer que o pastor conhece as suas ovelhas e que as ovelhas conhecem o pastor, Jesus está a dizer que entre o rebanho e o pastor deve existir uma forte comunhão de vida. Assim sendo, “entre os fiéis e Cristo existe uma comunhão real e intensa que não se quebra com as debandadas do rebanho, que não se apaga com a solidão e o isolamento criado pelas ovelhas rebeldes ” (Ravasi).

Por último, Jesus mostra que a sua missão é uma missão universal. Na verdade, ao explicar quem são as suas ovelhas e quem pode fazer parte do seu rebanho, Jesus deixa bem claro que a sua missão não se limita ao povo da primeira aliança. Do rebanho de Jesus também podem fazer parte os pagãos, as ovelhas que não faziam parte do primeiro rebanho de Deus. Anuncia-se aqui a abertura da Igreja a toda a humanidade que procura Deus de coração sincero. O rebanho do Senhor Ressuscitado não conhece fronteiras culturais e étnicas. Todos os homens podem fazer parte do seu rebanho desde que escutem a sua voz, acolham a sua proposta e adiram ao seu projecto.

Testemunha deste belo pastor, único capaz de nos dar a salvação, a vida plena e com qualidade, é o Apóstolo Pedro, na primeira leitura deste domingo. Depois de ter curado o coxo à entrada do templo e de ter anunciado ao povo a boa nova da Ressurreição, Pedro e João são conduzidos ao Sinédrio e interrogados: “com que poder ou em nome de quem fizestes isso?” (Act 4, 7). 

Cheio do Espirito Santo, Pedro testemunha que foi em nome de Jesus que o coxo foi curado, porque “em nenhum outro há salvação”. O belo pastor, o Senhor Crucificado e Ressuscitado é a única fonte donde brota a salvação. O seu nome já indica esta realidade. Na verdade, Jesus quer dizer “Deus salva”. Diante de um mundo que oferece, melhor dizendo, vende muitas propostas de salvação, nós devemos ter bem claro que só Deus nos pode salvar e dar uma vida plena e com qualidade e, a exemplo de Pedro, temos de anunciar corajosamente este boa-nova a toda a humanidade. 

Neste Domingo, último dia da 49ª semana de Oração pelas vocações, subordinada ao tema: “As vocações dons do amor de Deus”, peçamos ao Senhor, belo pastor, que nos dê sempre pastores segundo o seu coração e que nos saibamos seguir sempre a voz do belo pastor que é o Senhor Crucificado e Ressuscitado e não nos deixemos seduzir por outras vozes que nos propõem falsos caminhos de salvação porque só em Jesus, belo pastor, reside a plenitude da salvação e da vida.

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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