Ano C – Pentecostes

1ª Leitura: Act 2, 1-11;
Salmo: Sl 103, 1ab e 24ac. 29bc-30. 31 e 34;
2ª Leitura: 1 Cor 12, 3b-7. 12-13;
Evangelho: Jo 20, 19-23.

 

 

Cinquenta dias depois da Páscoa da Ressurreição e ao terminarmos o tempo pascal, celebramos a solenidade do Pentecostes, ou seja, “o dom do Espírito Santo aos Apóstolos, nos primórdios da Igreja, e o início da sua missão junto de todas as línguas povos e nações ”.

Jesus, segundo o evangelista João, no cenáculo, durante a sua ceia de despedida, por cinco vezes prometeu aos seus discípulos o dom do Espírito Santo, o paráclito, o espírito da verdade (cf. Jo 14, 15-17. 25-26. 16, 26-27. 5-11. 12.15).

Depois da sua Ressurreição, o Senhor Ressuscitado cumpre a sua promessa ao conceder aos seus discípulos o dom do Espírito Santo como nos relata quer a primeira leitura quer o evangelho deste dia. Entre estes dois relatos do dom do Espírito aos discípulos há algumas diferenças. Uma das mais chamativas prende-se com o momento em que ocorreu a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Para o evangelista João a descida do Espírito Santo ocorreu na tarde do Domingo de Páscoa. No entanto, para São Lucas a descida do Espírito Santo ocorreu no dia de Pentecostes, ou seja, 50 dias depois da Páscoa. Tal diferença é justificada pela intenção catequética dos autores sagrados. João ao colocar o dom do Espírito no dia de Páscoa mostra que o Espírito Santo é um dom do Senhor Ressuscitado. Por sua Vez, São Lucas, ao colocar o dom do Espírito no dia em que os judeus celebravam o dom da lei, quer mostrar que o Espírito Santo é a nova lei para o cristão. Assim sendo, vemos que a primeira leitura dos Actos do Apóstolos e o evangelho, com as suas diferenças, nos ajudam a perceber melhor as várias dimensões do mistério que celebramos neste dia.

O evangelista João apresenta-nos a descida do Espírito Santo no dia de Páscoa quando os discípulos estavam fechados, atemorizados e paralisados, em casa, com medo dos Judeus. Nessa manhã, Maria Madalena já os tinha desassossegado com o estranho anúncio da ressurreição. No entanto, tal anúncio não foi suficiente para vencer medos e eliminar barreiras.

E é nesta situação de desespero, de paralisia, de medo que se apresenta Jesus ressuscitado no seu meio. O Ressuscitado consegue ser mais forte que o medo, porque estando os discípulos com as portas trancadas com medo dos judeus, mesmo assim consegue entrar e colocar-se no meio deles, no centro. Jesus ressuscitado está no centro, é Ele que deve ser o centro da nossa vida e da nossa existência e da nossa comunidade.

A mensagem e os sinais com que se apresenta não são palavras e gestos ao acaso. A sua saudação é uma saudação de Paz, aquela paz messiânica prometida, aquela paz que não é conquista dos homens mas dom de Deus. Aquela paz que não é só ausência de guerra mas harmonia, tranquilidade, serenidade e vida plena. Dada e repetida a saudação de paz mostrou-lhes as suas chagas. O Ressuscitado é o Crucificado. As suas chagas, dolorosas mas também gloriosas, são os sinais do seu amor e da sua doação total. A permanência de tais chagas é a manifestação que o seu amor é eterno e permanece para sempre.

Em seguida, o Ressuscitado torna os seus discípulos participantes da sua missão. Assim como o Pai o enviou para anunciar a boa nova e instaurar o reino de Deus, assim os discípulos deverão ir pelo mundo anunciando a ressurreição do Senhor e antecipando no aqui e no agora da história o reino de Deus. Para desempenharem esta missão, o Ressuscitado sopra sobre os seus discípulos e dá-lhe o Espírito Santo. O verbo utilizado é o mesmo que em Gn 2, 7 se usa. Trata-se de uma nova criação. Deus insufla aos homens o seu alento divino. Deus dá aos homens o dom do Seu Espírito. O gesto de soprar recorda a criação do homem (Gn 2, 7) e a ressurreição dos mortos (Ez 37). É como a criação do homem novo, dotado do alento do Espírito, em virtude da ressurreição de Jesus. Nesta nova criação o perdão e a reconciliação devem ocupar o lugar central. A comunidade cristã, com o dom do Espírito, está chamada a ser mediadora da oferta de salvação de Deus ao mundo.

Complemento da narração de João da descida do Espírito Santo é a que encontramos no livro dos Actos dos Apóstolos. O livro dos Actos dos Apóstolos, mais que uma reportagem histórica dos acontecimentos, pretende ser uma catequese aos cristãos da Igreja primitiva que começavam a desfalecer na fé porque a última vinda do Senhor tardava. Lucas pretende animar os cristãos a serem fiéis ao seu baptismo. Assim sendo, quando lemos a narração do Pentecostes do livro dos Actos mais do que fazer uma interpretação literal do que aconteceu temos de descobrir a mensagem teológica que Lucas nos transmite através das imagens e dos símbolos que utiliza.

Lucas situa a descida do Espírito Santo na festa de Pentecostes. A festa do Pentecostes antes de ser uma festa cristã era uma festa judaica. Na verdade, o judaísmo celebrava, 50 dias depois da Páscoa judaica, a festa do Pentecostes ou das semanas. Numa primeira fase, esta festa era uma festa agrícola (Ex 23,14). Nela se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo. No entanto, o judaísmo transformou esta festa na comemoração do dom da lei ao Povo no monte Sinai (2Cr 15,10-13). Assim sendo, ao colocar a descida do Espírito Santo no dia em que se comemora a dádiva da lei e a constituição do povo de Deus, Lucas sugere, na linha do profeta Jeremias (Jr 31), que o Espírito é a lei da nova aliança e que é graças a Ele que se forma a comunidade messiânica, a comunidade do novo Povo de Deus.

Também não deixam de ter o seu simbolismo a forma como Lucas descreve a descida do Espírito. Na verdade, o vento e o fogo são elementos típicos da manifestação de Deus no monte Sinai e representam a força de Deus. O Espírito desce sobre a forma de línguas de fogo. A língua mais do que um elemento de divisão é um elemento de relação. Na verdade, é a linguagem que permite relacionarmo-nos uns com os outros, criarmos comunhão.

Detrás desta narração de São Lucas está o episódio da construção da torre de Babel (Gn 11, 1-9) e consequente dispersão. Lucas apresenta o Pentecostes como o inverso do acontecido na torre de Babel. Se a pretensão do Homem de chegar até Deus originou a confusão e a dispersão, o dom do Espírito Santo gera a união e o entendimento. Uma união e entendimento que respeita e promove as características culturais próprias de cada povo.

Na verdade, diz-nos o texto que depois “todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas [e] … cada qual os ouvia falar na sua própria língua”. É o dom do Espírito que nos dá uma nova capacidade de comunicação, é o Espírito que forma a nova comunidade do Povo de Deus. Na força do Espírito, os homens são capazes de ultrapassar as suas diferenças e de entrarem em comunhão. Com o dom do Espírito Santo a Igreja é chamada a anunciar a todos os povos a mensagem da salvação. Pela acção do Espírito a mensagem cristã é capaz de se expandir e de se verbalizar em diferentes línguas. É o Espírito que permite que a Igreja, apesar de ser formada por pessoas de diferentes raças e culturas, seja uma comunidade de amor.

Quando nos abrimos à força do Espírito as nossas relações humanas modificam-se. Na verdade, na força do Espírito a confusão termina e dá lugar à comunhão. Na força do Espírito é possível criar uma nova comunidade onde todos se entendam e vivam em comunhão.

A Festa que hoje celebramos é um convite a que todos nós peçamos insistentemente e nos abramos à acção do espírito para que “também hoje se renovem nos corações dos fiéis os prodígios realizados nos primórdios da pregação do evangelho”. Na nossa vida de fé e de discípulos do Senhor Jesus necessitamos do Espírito Santo. Com efeito, como nos recorda S. Paulo na segunda leitura deste dia, “Ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ a não ser pela acção do Espírito Santo”. Abramos a nossa existência e recebamos este Dom que o Senhor ressuscitado nos concede: o Espírito Santo, dom que vence medos e paralisias e nos leva a continuar a continuar a missão de Jesus através da lei e linguagem universal do Amor.

 

P. Nuno Ventura Martins

missionário passionista

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